domingo, 30 de dezembro de 2012

Pérolas 025


(...magnificente belo é adjectivamente curto para esta obra-prima de palavras e imagens...)


Standing firm on this stoney ground
The wind blows hard
Pulls these clothes around
I harbour all the same worries as most
The temptations to leave or to give up the ghost
I wrestle with an outlook on life
That shifts between darkness and shadowy light
I struggle with words for fear that they'll hear
But Orpheus sleeps on his back still dead to the world

Sunlight falls, my wings open wide
There's a beauty here I cannot deny
And bottles that tumble and crash on the stairs
Are just so many people I knew never cared
Down below on the wreck on the ship
Are a stronghold of pleasures I couldn't regret
But the baggage is swallowed up by the tide
As Orpheus keeps to his promise and stays by my side

Tell me, I've still a lot to learn
Understand, these fires never stop
Believe me, when this joke is tired of laughing
I will hear the promise of my Orpheus sing

Sleepers sleep as we row the boat
Just you the weather and I gave up hope
But all of the hurdles that fell in our laps
Were fuel for the fire and straw for our backs
Still the voices have stories to tell
Of the power struggles in heaven and hell
But we feel secure against such mighty dreams
As Orpheus sings of the promise tomorrow may bring
Tell me, I've still a lot to learn
Understand, these fires never stop
Please believe me, when this joke is tired of laughing
I will hear the promise of my Orpheus sing



In “Orpheus” – David Sylvian


…fé é (quase) tudo…





























JP 
®


“Segue-me.
Vem…

Este é um local para as orações serem ouvidas.
E, por vezes, atendidas…”

Neytiri  in  “Avatar”





sábado, 29 de dezembro de 2012

…citação do ano… (2012)


“…Na Europa, cada manifestação do “Orgulho Gay” contou, em média, com 100.000 pessoas...

...Cada manifestação “Contra a Corrupção” teve, em média, cerca de 2.500 pessoas...

…Estatisticamente, fica provado que há mais gente a lutar pelo direito de levar no rabo, do que a lutar para não ser enrabado…”

Miguel Esteves Cardoso aka MEC

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

…dormência sonâmbula…



“Teardrop” – Massive Attack ft. Elizabeth Fraser

…07:00 da manhã…

…a estridência do alarme irrompe nos ouvidos…

…um toque no snooze e mais 10 minutos para despertar…

(…)

…07:10…

…a mesma sinfonia penetrante enche de novo o silêncio do quarto…

…nova pancada no telemóvel… mais 10 minutos…

(…)

…meia-hora depois, os olhos abertos, fixados na janela por onde entra a luz matinal…

…não ouvistes o terceiro aviso de alarme e ergueste da cama, já com o dia (a vida) atrasado(a)…

…no quarto de banho, encaras o tipo que se reflecte no espelho…

…reconheces o rosto, aliás, ninguém o conhece melhor do que tu…

…os olhos estremunhados que já conheceram maior brilho, as rugas que muita gente nem nota mas que tu sabes onde vão surgindo, o cabelo que cedo mas lentamente começou a ficar grisalho…

…passas a mão direita pelo rosto… 4ª feira e a barba nem está muito grande… pelos menos para ti…

…passa à frente, desfaze-la amanhã… depois de amanhã…ou na 2ª feira…

…o duche matinal…

…a água morna a cair-te no corpo que sentes cada vez mais magro, enquanto te ensaboas…

…encostado de mãos apoiadas na parede, aprecias o dilúvio que se descarrega sobre ti, na confortante escuridão que provocaste cerrando os olhos (primeiro momento de desligamento do mundo nesse dia)

…despertas no novo e já passaram mais uns minutos…

…secar, vestir, um ouvido e meio-olho na tv para ver o que se passa no mundo…

…pequeno-almoço rápido e frugal… yogurte liquido, fruta às vezes e uma caneca de café preto…

…miras o termómetro da janela da cozinha… 16º graus cá dentro e 9º graus lá fora… sol nada, nuvens muitas e ameaça de chuva…

…botas calçadas, casaco grosso a proteger-te o tronco, ronda à casa para ver se ficou tudo bem, toques nos bolsos para certificar que nada fica para trás e porta fora…

…duas voltas na fechadura, o elevador abre as portas e desces para continuares a rotina quotidiana…

… headphones colocados e desligas-te um pouco de tudo…

…passadas cadenciadas até chegar à paragem do autocarro... uma cacimba miudinha começa a cair, assim que acendes o primeiro cigarro do dia… …puxas o capuz para te cobrir a cabeça e resguardas o livro debaixo do aconchego do casaco… 

…a espera habitual e depois cinco minutos de caminho, aos tombos pelas curvas do caminho, dentro do transporte cheio de povo, até chegares à estação de metro…

…uma olhadela de esguelha no relógio digital, no átrio de entrada …09:12…é incrível como o tempo passa rápido a estas horas da manhã…ou então é mais a tua velocidade que é lenta…cada vez me convenço que é mais isso…

…mais uma caminhada, agora sempre a descer, uma boa dezena de degraus, até ao cais de embarque…  por cima de som da musica que te vai ajudando a acordar mais um pouco, escutas o silvar das carruagens que se aproximam… 

…estugas o passo, serpenteando pelos pastelões habituais e aceleras no lanço final de escada até aterrares no cimento, a beirar a linha de segurança pintada no chão de amarelo vivo, com os carris no fosso uns dois metros abaixo…

…marcas posição num lugar, já estudado, para o metro estacar na tua frente, logo com uma das portas à tua frente…

…a imensa lagarta metálica pára e penetras no seu ventre, buscando um lugar vago… hoje correu bem… sentas-te num banco junto da janela e desligas de novo de tudo… durante cerca 25 minutos, mergulhas no prazer (um dos poucos que ainda sentes…) da leitura, acompanhado de uma banda sonora que te faz alhear mais ainda de tudo à tua volta…

(…)

“Rato, estação terminal”, anuncia a menina da gravação… com pesar, soltas-te da aventura em que estavas imerso com o Gabriel Allon, na ficção vertida nas folhas que devoraste no trajecto que nem praticamente sentiste fazer…

…de volta à realidade, fazes mais um ziguezaguear ligeiro pelos corpos que caminham na tua frente… mais uma olhadela no relógio digital do cais de desembarque…   09:43… passagem rápida nos torniquetes electrónicos e viras à esquerda… escadas rolantes avariadas… mais uma meia-centena de degraus para subir até chegares à rua…

…a chuva parou aqui mas um vento frio faz com que corras o fecho do casaco até sentires o pescoço e a nuca protegidos….

…atravessas a rua alcatroada e estás no lugar onde, infelizmente, passas a maior parte dos teus dias, ultimamente…

…bons-dias para o povo, a caminho da tua secretaria…

…olhas o amontoado de processos, papeis avulsos, em cima e a rodear a tua mesa de trabalho, que teimam em quase nunca te a deixar ver por completo, nestes anos todos…

…aquela sensação de estares dentro de uma cova num areal, tirar a areia para fora com um balde cheio e ela a continuar a escorregar para dentro, devagarinho, até quase te enterrar vivo aos poucos…

…bem, que se foda… esqueces isso agora… ligas o pc e deitas-te ao trabalho… estás aqui para isso mesmo…

…a manhã corre célere…  …divides a tua atenção entre o cumprimento processual, o telefone que toca quase de cinco em cinco minutos, as corridas para a reprografia e o vai-vem entre os gabinetes nos andares superiores e o 1º piso …

…quase sem dares por isso está próximo da hora de almoço… uma saída rápida para trazer qualquer coisa para forrar o estômago, agora que o sossego vai voltar momentaneamente à sala onde laboras…

…entretanto, os do costume saem em rebanho para pastar… não os acompanhas nunca, são apenas teus colegas de serviço e alguns deles nem sequer valem como pessoas integras para ti, que tens pouca paciência para hipocrisias e duplicidades de atitudes, conforme lhes vai dando jeito …

…como diz uma canção:

“Não tenho medo dos lobos
Nem paciência para o teu pastor
Ovelha negra
Carneiro preto
Eu vou direito ao deserto”

…é… o Tim é que tem razão… direito ao deserto…

…deserto… é assim que está tudo à tua volta… …agora aqui nesta sala e em grande parte da tua vida…

…acabas de comer a sopa da pedra, reconfortante neste dia frio, lavas os dentes e tiras uma caneca de café bem quente…

…sais para o pátio das traseiras, inspiras o ar da rua, procuras um canto onde o sol, que timidamente se mostrou, embate pálido… 

…devagar, fumas o único cigarro de que, provavelmente, tiras verdadeiro prazer durante o dia de trabalho, enquanto tentas, por dez minutos, que seja alhear-te de tudo à tua volta, enquanto outros pensamentos te invadem… 

…estás longe agora… muito longe…

…abres os olhos e estás de novo no mundo real…de volta à luta…

…a sala entretanto parece agora uma feira, tal o arrazoado de berros e gritos quase histéricos da carneirada mole que regressou de barriga cheia lá de fora…

…a tarde corre como a manhã, mas mais cheia, mais intensa, mais corrida, porém contigo mais desperto… dás por ti com o horário de saída ultrapassado, duas, três ou quatro horas depois…

…olhas em volta, antes de te preparares para regressar a casa e tens a sensação de que o buraco está um pouco mais fundo e a areia continua a cair lá para dentro…  por hoje (sim, hoje porque até vais sair antes da meia-noite, seja por cansaço, desmotivação, desilusão, ou tudo isso em simultâneo, e não porque não haja ali que fazer) vais sair dele, desse buraco, dessa cratera escura e vais tentar dar repousar um pouco…

(…)

…o percurso exactamente inverso e similar ao da manhã, agora de volta a casa, está quase feito, enquanto vais pontapeando as folhas douradas e âmbar que se forram o chão húmido da geada que já começou a cair… pouco passa das nove da noite e a claridade já deu lugar ao breu, horas atrás, quando entras na tua toca…

…a rotina do costume…  duche tomado, fato de jogging vestido não para correr mas para vagueares pelo apartamento, deixar a roupa preparada para o dia seguinte, ligar a tv para que o som te transmita a sensação de companhia, jantar para um, lavar loiça…

…um ultimo café e mais uns cigarros, sentado no sofá, o olhar vago no zapping televisivo ou da net…

…como quase sempre o sono vem tarde… são duas da manhã quando depositas num canto da memória os despojos do dia, afundando o corpo na cama larga e vazia… sendo certo que não vais ser resgatado depressa para os braços de Morfeu, porque estes são os momentos em que outros pensamentos adormecidos durante o dia te vão assaltar uma vez mais, amachucando-te o coração e a alma, quando o descanso e a paz de espírito era o que mais desejavas…

…acabarás por extinguir tudo isso pela exaustão e esquecer-te, momentaneamente, de tudo, até que sejas de novo acordado para a dormência sonâmbula de mais um dia…     


JP ®  




quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

…o fim do mundo… (parte 2: epílogo e renascimento)
















…um click metálico ecoa no ar quieto da noite, soltando a coleira do Joly…

…mesmo sabendo que está livre da trela, fica estático olhando em frente, esperando que lhe dê o sinal que conhece desde cachorro e que lhe indica que está pronto para deambular a seu bel-prazer: uma pancadinha seca na parte traseira do lombo e sai disparado, em correria, pelo trilho que atravessa o bosque…

…sentindo debaixo das botas as folhas secas caídas do plátano à entrada do caminho florestal, acostumo rapidamente os olhos à escuridão, onde começo a distinguir, metros à frente, a sombra do cão, ziguezagueando de cauda no ar e focinho farejando o chão…

…o ar de principio de noite de inverno está límpido, seco, fresco sem estar demasiado frio como é habitual em Dezembro nestas paragens…

…um piar de noitibó, solta-se do alto dos pinheiros, ao mesmo tempo que o Jolas regressa até junto de mim, língua de fora, em trote suave…

…afago-lhe o focinho, as orelhas e o topo da cabeça… “lindo, Jolas, lindo”… e ele responde-me quase que sorrindo com o olhar… “mais uma voltinha, bicho…?”, pergunto … na afirmativa, passa ao meu lado e direcciona-se para fora da mata, ficando imóvel por uns momentos, porque sabe que o passeio pela estrada é sempre atrelado, por cautela e devido ao eterno vício que tem de tentar morder os pneus dos carros que passam por ele…

…subimos uma leve inclinação de terreno asfaltado, ponteado por diversas arvores plantadas em ambos os passeios, até chegar a um planalto de terra batida…

…do lado nascente, as luzes trémulas das ruas e das casas da vila, espalhadas encosta da Gardunha abaixo, entrecortadas pelo arvoredo que desce até à ribeira, lembram uma cascata sanjoanina, aninhada em silêncio…

…no topo da serra a norte, os pontos vermelhos que sinalizam os gigantes moinhos eólicos, piscam em intervalos mais ou menos regulares, até se perderem de vista para oeste…     

…o céu tem uma névoa lisinha e atapetada, mal deixando ver as estrelas e impedindo que o quarto crescente da lua ilumine com muita clareza tudo cá em baixo…

…se tivesse mais frio e com previsão de chuva, talvez até caísse neve…

…neve que me faz lembrar o meu pequeno desejo para o dia do fim do fundo…  

…e que afinal estava aprazado para anteontem e não aconteceu…

…desço devagar em direcção a casa dos meus pais, com o Joly saltitando de um lado para o outro do caminho, mergulhando uma vez por outra na vegetação das bermas, reconhecendo e marcando aquele trajecto que já não trilhava há algum tempo…

…acendo um cigarro, protegendo-o com a manga do casaco da leve brisa que sopra de sul e o relógio da torre da igreja lá longe faz soar sete badaladas, marcando as horas…

…enquanto solto o fumo, vejo-o subir no ar, onde se vai fundir com aquele que se eleva vindo das lareiras aconchegantes em cada casa das redondezas…

…caminho mais lentamente, antecipando com alguma delícia o prazer de disfrutar o presépio vivo que, nestes dias,  tenho a sorte de apreciar na alegria contagiante de um pimpolho de oito meses… que veio ressuscitar um pouco o meu pai, dando-lhe brilho no olhar embaciado e quase sem vida que a doença lhe trouxe… que veio dar um pouco de esperança e alegria quase infantil, mas tremendamente  emocionante à melhor pessoa que conheço neste mundo e que é a minha mãe… que colocou um sorriso radioso na cara do meu irmão como nunca vi antes em 39 anos e meio que o conheço…   

…na época do ano em que a maioria das pessoas, de repente e hipocritamente, se lembram que o amor, a solidariedade, o calor humano existem e, plasticamente, os transmitem das mais diversas formas para os esquecerem o resto dos restantes 364 dias do calendário, tenho ao alcance das mãos, por pouco tempo que seja, um tónico simples que tentar renascer para os dias que virão… renascimento que sinto em cada ínfimo minuto que estou com aqueles que realmente amo sem reservas…  seja, como hoje é, véspera da noite de Natal ou não… seja depois de cada fim de mundo que me atinge ciclicamente…  


JP ®

domingo, 16 de dezembro de 2012

Pérolas 024




Há luz sem lume aceso
Mas sem amar o calor
À flor de um fogo preso
À luz do meu claro amor
Há madressilvas aos pés
E águas lavam o rosto
Dedos que tens em rés pés
Oh, meu amante deposto


Não foram poemas nem rosas
Que colheste no meu colo
Foram cardos, foram prosas
Arrancadas do meu solo
Porque tu ainda me queres
O amor que ainda fazemos
Dá-me um sinal se puderes
Sejamos amantes supremos


Será sempre a subir
Ao cimo de ti
Só para te sentir
Será no alto de mim
Que um corpo só
Exalta o seu fim


In “Foram Cardos, Foram Prosas” – letra de Miguel Esteves Cardoso, cantada por Manuela Moura Guedes


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Pérolas 023 (especial Frank Sinatra)

The Voice… Ol’ Blue Eyes… The Chairman Of The Board…
Homenagem a Frank Sinatra na data do seu aniversário (12 de Dezembro de 1915)


·         Fly Me To The Moon



·         I Get A Kick Out Of You
·         The Lady Is A Tramp
·         The Girl From Ipanema (com Tom Jobim)
·         I Loved Her
·         New York, New York
·         I’ve Got You Under My Skin
·         One For My Baby
·         Let Me Try Again
·         My Way

domingo, 9 de dezembro de 2012

Pérolas 022 (dedicada ao meu sobrinho Diogo)



(…uma imensa emoção do principio ao fim, uma bonita estória do que é o nosso percurso nesse mundo e grande lição de esperança nesta magnifica e singela composição… dedicada ao meu sobrinho Diogo (Pi) que dá os seus primeiros passos nessa intensa aventura que é a vida...)
JP ®
Numa folha qualquer
Eu desenho um sol amarelo
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo...
Corro o lápis em torno
Da mão e me dou uma luva
E se faço chover
Com dois riscos
Tenho um guarda-chuva...
Se um pinguinho de tinta
Cai num pedacinho
Azul do papel
Num instante imagino
Uma linda gaivota
A voar no céu...
Vai voando
Contornando a imensa
Curva Norte e Sul
Vou com ela
Viajando Havaí
Pequim ou Istambul
Pinto um barco a vela
Brando navegando
É tanto céu e mar
Num beijo azul...
Entre as nuvens
Vem surgindo um lindo
Avião rosa e grená
Tudo em volta colorindo
Com suas luzes a piscar...
Basta imaginar e ele está
Partindo, sereno e lindo
Se a gente quiser
Ele vai pousar...
Numa folha qualquer
Eu desenho um navio
De partida
Com alguns bons amigos
Bebendo de bem com a vida...
De uma América a outra
Eu consigo passar num segundo
Giro um simples compasso
E num círculo eu faço o mundo...
Um menino caminha
E caminhando chega no muro
E ali logo em frente
A esperar pela gente
O futuro está...
E o futuro é uma astronave
Que tentamos pilotar
Não tem tempo, nem piedade
Nem tem hora de chegar
Sem pedir licença
Muda a nossa vida
E depois convida
A rir ou chorar...
Nessa estrada não nos cabe
Conhecer ou ver o que virá
O fim dela ninguém sabe
Bem ao certo onde vai dar
Vamos todos
Numa linda passarela
De uma aquarela
Que um dia enfim
Descolorirá...
Numa folha qualquer
Eu desenho um sol amarelo
(Que descolorirá!)
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo
(Que descolorirá!)
Giro um simples compasso
Num círculo eu faço
O mundo
(Que descolorirá!)

In “Aquarela” – Toquinho


Pérolas 021




(…)
Bem depois,
De estar na rua,
Instalou-se uma dor
Por nós dois,
Talvez sair
Tivesse sido o melhor...

Se assim foi,
Então porque me sinto a morrer de amor?

Tenho a noite
A atravessar
Doi-me não ir,
Mas não me deixas voltar...

Se gosto de ti,
Se gostas de mim,
Se isto não chega
Tens o mundo ao contrário.
(…)

In “O Mundo ao Contrário” – Xutos & Pontapés

Memórias do século passado III – Hac-Sá (…Aida P.)

…o sol vai descendo lentamente à minha direita sob a ilha de Coloane, ainda longe de atingir o ocaso no imenso dia de Maio, neste verão solarengo e húmido…
…deitado de costas, sinto uma brisa quente a percorrer o meu corpo vinda de Sul, do lado do Mar do Sul da China, que ouço desfazer-se em ondas a poucos metros de mim…
…”Bernaaaard”, gritam ao meu lado…. "Bernaaaard”, de novo…
…abro os olhos, ergo o tronco, ficando apoiado nos cotovelos…

…junto a mim, ela está de pé, voltada para oriente e faz um sinal com a mão lá para fundo do areal negro da praia, murmurando algo entredentes…

…um miúdo de cinco anos, cabelo negro cortado à escovinha e olhos piscos, vem em correria desenfreada na sua direcção, abrandado o passo à medida que se aproxima da mãe e pára na sua frente, cabisbaixo…

…Aida dirige-lhe umas palavras em tagalog, de modo suave mas firme, mão na anca e dedo indicador espetado junto do nariz…  apesar de apenas entender uma palavra ou outra do dialecto filipino, imagino pela cara do puto que deve estar a levar um raspanete…

…acena com a cabeça devagar, aceitando a repreensão da progenitora e, antes de sair de novo disparado a correr na direcção da bola que deixou um bocado para trás, pisco-lhe o olho de modo cúmplice, recebendo com um leve sorriso envergonhado de volta…

…ela volta-se para mim, olhando-me de cima com os seus olhos rasgados …

…“Don’t encorage him…”, diz de sobrolho franzido e depois ajoelha-se junto a mim já com um sorriso de andorinha desenhado na face…

…segura-me o rosto com as mãos em concha e beija-me suavemente, para fixar o olhar depois num ponto acima do meu lábio superior…

…passa indelevelmente um dedo por cima da cicatriz ainda fresca que ali ostento, fruto de uma noite em que fui apanhado no meio de uma rixa entre chineses na discoteca do Casino Jai-Alai…

…”it hurts…?”

…abano a cabeça na negativa, fito nos seus olhos castanhos, amendoados…

 …a ternura e o carinho irradiam deles, assim como tudo o que esta rapariga me transmite…

...mirando o horizonte, com a silhueta do Westin Resort recortado lá no fundo, vai vigiando as brincadeiras do filho, enquanto ajeita o fato de banho clássico na forma do seu corpo, deitando-se sobre mim, apoiando o rosto no meu peito ainda molhado dos mergulhos na água escura de Hac-Sá…

…o céu azul começa a ficar com tons dourados à medida que o fim de tarde se aproxima…

…aninho-me um pouco mais com a Aida, sentindo as suas pernas esguias cruzarem-se com as minhas, enquanto lhe vou acariciando o longo cabelo negro e beijando a testa…

…recordo a primeira vez que fizemos amor, depois de já nos conhecermos há algum tempo e travarmos amizade… e de ela ter chorado então, sentada na cama, a cara escondida, apoiada nos joelhos, as pernas flectidas, deixando-me completamente à toa por momentos…

…e quando lhe perguntei porque chorava me ter dito que ela não era mais uma “girl”, ao que lhe retorqui que sabia e sentia bem isso… e ter falado de forma quase inaudível, passados uns minutos, ainda na mesma posição, que sabia que ia sofrer muito depois, porque gostava muito de mim e sabia que a nossa relação ia ter um termo certo quando eu terminasse o meu trabalho em Macau…   

…recordo também como ela, mesmo sabendo disso, continuou a cuidar de mim com pequenos pormenores deliciosos, como aparecer em minha casa em dias de fim-de-semana de manhã cedo, com papaias frescas e pasteis de nata quentes, para ficarmos a tomar o pequeno-almoço na cama até meio da tarde… ou como me deixava bilhetes debaixo das garrafas de Coronas com limão, que me serviam no bar onde ela era gerente… mensagens simples como “…I love you like soft warm rain in spring…” ou “…please, don’t drink too much, love…

…acordo destes pensamentos, com ela a depositar um beijo longo e profundo na minha boca, correspondido com ardor e depois a sussurar no meu ouvido... “mahal kita, Pedro”…

…Bernard já voltou da futebolada solitária, vindo do outro extremo da praia e pergunta algo à mãe… ela solta uma gargalhada e traduz-me a fala do garoto…  se podíamos comer “bichinhos vermelhos com antenas (camarão) e gelado”…  

…esfrego-lhe o cabelo no topo da cabeça, preto como o que herdou da mãe e respondo-lhe “ok, let’s go right now” para sua grande satisfação… e saímos os três devagarinho caminhando pela beira-mar, na direcção do Fernando para uma refeição sossegada antes de regressarmos a Macau, num quadro que, naquele momento, se aproximava mais de uma família feliz, num passeio de domingo…

…passaram mais de treze anos, entretanto…

…a Aida está guardada ternamente num canto do meu coração, como das pessoas mais bondosas, carinhosas e lindas (por fora e por dentro) que conheci… e que mais felizes merecem ser nesta vida…
…o antepenúltimo dia antes de regressar a Lisboa, estive sempre junto dela, com alegria e tristeza misturadas, passando a ultima noite em comunhão, no seu apartamento na Taipa, apenas dormindo muito agarrados um ao outro, sabendo que a separação era inevitável…
…combinámos que não nos despediríamos… apenas nos deixaríamos de ver… até qualquer dia… …e pouco antes do nascer do sol, saí silenciosamente, deixando-a agasalhada num edredom de penas cor-de-rosa e mergulhei no nevoeiro, vagueando lentamente até apanhar um táxi junto do Jockey Club para regressar a casa…

…recordo ainda a areia preta de Hac-Sá que para nós dois era quase tão maravilhosa como a areia clara de qualquer praia de Koh Samui onde passámos cinco dias idílicos…
…os seus ciúmes loucos, principalmente os que tinha da Sylvia, a minha empregada de limpeza, filipina como ela, mas a quem se referia com “that indian”, porque tinha mais traços polinésios do que os seus marcadamente asiáticos… … o seu sorriso largo, as suas gargalhadas e também o seu olhar profundo e por vezes melancólico…
…um “presente especial” que me ofertou ao bater a meia-noite da data do meu aniversário… quando, em boa verdade, ela já era um “presente especial” na minha vida…

 …e recordo, também, a sua musica preferida, que tantas vezes trauteava, que dizia ser a “nossa” e que colocava vezes sem conta a tocar na jukebox do Irish Bar…


JP ®

         Savage Garden - ''Truly Madly Deeply''

Pérolas 020 (dose dupla)



Dedicadas ao meu anjo da guarda…
Que não “vejo”, mas “sinto”…
Que me protege mesmo quando nem dou por isso, que me ilumina um pouco o caminho mesmo quando está tudo negro ao meu redor, que me ajuda a levantar em cada queda na vida, que me salvou de morte certa, que me ama sempre incondicionalmente…  

“Guardian” – Alanis Morissette

“Anjo de Guarda Noturno” – Maria Gadú




sábado, 1 de dezembro de 2012

Pérolas 019

              (...story of my life...)


When I look at myself I don't see
The man I wanted to be
Somewhere along the line I slipped off track
I'm caught movin' one step up and two steps back

(…)

Last night I dreamed I held you in my arms
The music was never-ending
We danced as the evening sky faded to black
One step up and two steps back

In “One Step Up” – Bruce Springsteen