…o aviso sonoro do metropolitano
ecoa no átrio da estação, qual sirene de navio que se prepara para abandonar o
cais…
…venho em corrida apressada,
escadaria abaixo e entro na carruagem da frente à justa, com as portas a
chocarem uma na outra atrás de mim, fugindo à “guilhotina” do “simpático”
maquinista…
…18:00 horas de segunda-feira e
ainda há muita gente a regressar a casa, daí que não vislumbro muitos assentos
vagos, mas acabo por me sentar junto a um dos lugares de janela, a meio da
composição…
…as carruagens arrancam e mergulho
na leitura de um romance de Richard Zimler, absorto na musica que me invade os
ouvidos pelos fones, ambas panaceias para me alhear desta vida, em tons de
cinzento, que me rodeia…
…a recuperar de uma constipação
brava, que me deixou zonzo e febril durante quase uns três dias há umas semanas
atrás, ressinto-me dos primeiros cigarros que (estupidamente) recomecei a fumar
no último fim-de-semana…
…as paragens vão se sucedendo,
com o “entra-e-sai” constante do povo…
…exausto de muitas coisas,
abandono a leitura, encostando a cabeça para trás e fecho os olhos, expirando
fundo… a mesma melodia, em moto-continuo, uma e outra vez, entrando na minha
mente…
…alguns minutos depois, apalpo um
dos bolsos interiores do meu casacão verde-escuro, procurando os rebuçados peitorais para acalmar a tosse
que sinto subir pulmões acima…
…tiro um, desembrulho-o, abro os
olhos e enquanto me preparo para o colocar na boca, sinto uns olhinhos azuis
fitados em mim, de uma pequenina de totós loiros, sentada na minha frente, enfiada
num uniforme de colégio, azul escuro, com as pernas a balançar e sorriso
estampado na face…
…busco outro doce no bolso e olho
para a sua mãe, sentada ao seu lado, alva e longilínea, que entendeu e anuiu,
por detrás dos óculos redondos de aros metálicos e com um leve aceno, a minha eminente
oferta…
- queres um rebuçado, nina…?
…rasga mais ainda o sorriso, olha
para a mãe, conseguindo aprovação e estica a mão, aceitando com um “obrigado”
cristalino…
- de nada… – retorqui - …e como
te chamas…?
- Helena…
- olá, Helena - estendo-lhe a mão
e digo-lhe o meu nome…
…cumprimenta-me de volta e, com
aquele desassombro e inocência própria das crianças, pergunta-me enquanto
começa a desembrulhar o rebuçado…
- tás triste porquê…?
- oh, Lena… então, filha…? –
adverte a mãe…
…sossego a senhora, com um aceno
de mão e um abanar de cabeça…
- não tou triste, Helena, tou um
bocadinho cansado… - e esboço um sorriso…
…ela continua com o sorriso dela,
singelo, desenhado a lápis da cor da felicidade de ser criança…
- tá bem… - diz e entretanto saí
com a mãe na paragem seguinte, lançando-me um beijo com um aceno de mão…
- adeus…
…torno a recostar-me no assento e
vejo o meu rosto reflectido no vidro na janela, transformado em espelho pela
escuridão do túnel…
…aproximo um pouco a cara da
vidraça e vejo que tenho lágrimas a correr pela face abaixo… nem dei por elas,
muito menos as senti antes, mas entendo agora a pergunta da menina…
…a mente, nos seus mais profundos
segredos e abismos, surpreende-nos com as reacções menos expectáveis…
…e a mesma música, em modo
repetitivo e suave, continua a rodar na minha cabeça, contribuindo (e
responsável inconsciente) para o dilúvio que continua a descer dos meus olhos,
até que eu saia para a rua e o dilua com a chuva que vai caindo…
JP ®
(…)
Tô com sintomas
de saudade
Tô pensando em você
E como eu te quero tanto bem
Aonde for não quero dor
Eu tomo conta de você
Mas te quero livre também
Como o tempo vai
E o vento vem
(…)
In “A
Sua” – Marisa Monte