domingo, 24 de fevereiro de 2013

…o imenso deserto dos dias…

           


…lento, ermo e solitário…

…assim corre o tempo, quotidianamente, frequentemente sem distinção de hora ou dia…

…como um cobertor húmido que envolve o corpo e deixa os sentidos dormentes…

…um sucessivo e lânguido pestanejar, olhar fito em nada, porque o nada do vazio é o que está na frente dos olhos, em duas dicotomias de cor: cinzento claro e cinzento escuro…

…uma linha frágil que se percorre em passos ténues, por vezes sem destino certo ou aparente…

…uma ferida que teima em não cicatrizar, que intensifica a dor a cada reabertura…

…um silêncio sem palavras que está sempre presente, mesmo no meio do ruído dos outros e do mundo…

…um tropeçar casual em prazeres fúteis e efémeros…

…um contínuo e monótono pingar das gotas de chuva, caídas de qualquer beiral…

…um tédio abismal em relação a quase tudo…

 …uma constante sucessão de traços de linha divisória, marcados no alcatrão de qualquer estrada perdida no meio de nenhures…

…um eterno mergulho em água suja, com sensação de afogamento, que se faz por afastar…

…uma caminhada arrastada no meio de um pântano ou uma corrida em ímpetos, avançando contra uma tempestade de chuva e vento que teima em não cessar…

…um imenso e desgastante caminho em busca de um qualquer arco-iris que sempre desvanece cada vez que parece ao alcance das mãos…

…uma vereda ingreme em direcção a lugar nenhum…
…apenas inspiração e expiração, enfim…

JP ®


 
     “No Surprises” – Radiohead


Pérolas 030



Night air has the strangest flavor
Space to breathe it, time to savor
All that night air has to lend me
Till the morning makes me angry
In the night air
In the night air
In the night air
In the night air
I've acquired a kind of madness
Daylight fills my heart with sadness
And only silent skies can sooth me
Feel that night air flowing through me
In the night air
In the night air
In the night air
In the night air
I don't need those car crash colors
I control the skies above us
Close my eyes to make the night fall
Comfort of the world revolving
I can hear the earth in orbit
In the night air
In the night air
In the night air
In the night air
I've acquired a taste for silence
Darkness fills my heart with calmness
And each thought like a thief is driven
To steal the night air from the heavens
In the night air
In the night air
In the night air
In the night air

In “Night Air” – Jamie Woon

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

…uma pancada nos olhos faz ver…








…chove, outra vez…

…muito, batida a vento…

…corpo inerte e cansado, cabeça a mil à hora, afastando-te do leito…

…as paredes da casa parece que te encurralam, esmagando-te, como uma implosão dentro de ti, um sufoco incontrolável…

…ar… precisas de ar… precisas de sentir que ainda estás vivo, apesar de sentires o coração bem presente, em batimentos regulares, dessincronizado com a mente onde se atropelam sentimentos contraditórios…

…breves minutos, um instante tão rápido talvez que nem dás por ele e estás ao relento, com água purificadora a cair-te em cima dos ombros e o vento norte a fustigar-te o rosto…

…caminhas sem destino certo… apenas sabendo que precisas andar, andar, andar… caminhar até o cansaço te embalar… até te afastar todos os pensamentos…

…a madrugada aproxima-se, ainda escura de inverno, mas ouves aqui e ali os primeiros cantos dos pássaros, ainda no aconchego dos seus ninhos…

…tirando isso, silêncio… apenas o silvar dos automóveis a passarem na via rápida a um quilometro de distância, o chapinhar das gotas que caem do céu e o arrastar suave das tuas botas no chão…

…do nada (ou das profundezas do teu inconsciente) surge-te na memória uma frase que há muito tempo viste escrita, em letras negras e gigantescas, num muro do outro lado do Tejo…

…”uma pancada nos olhos faz ver”…

…hoje levaste uma dessas pancadas…forte…embora já esperada…mas duvidas que te abra definitivamente os olhos, porque o teu coração é cego e parece que coloca uma venda na visão, que devia ser objectiva, do teu raciocínio lógico…

…inspiras fundo, sentido o ar refrescante da terra e da relva molhada que agora te rodeia…

…as luzes dos mais madrugadores acendem-se como pirilampos imóveis nos prédios em teu redor, fazendo agora companhia à luz trémula dos candeeiros da rua…    

…querias deixar extinguir a chama débil de vida que ainda te vai mantendo de pé e renascer... sem memórias de nada da tua outra vida… deixar de sentir e de pensar… encarnar em algo mais simples que um ser humano, talvez…

…mas, claro, isso não acontece… apenas a chuva continua a cair do céu,  cor de breu, e o vento forte faz oscilar a tua figura imóvel no meio do nada…

…ouves trovejar ao longe…longe… muito longe…

…e lentamente regressas à tua toca…


JP ®




Só mais uma volta
Só mais uma volta a mim
Só mais uma volta desta ninguém vai cair
Só mais uma vez que vês que ninguém está aqui
Queres só mais uma volta desta ninguém vai cair

Tempo frio afasta o tempo que nos afastou
Primavera lança o laço que nos amarrou
Tempo quente dá vontade de não resistir
Vai só mais uma volta desta ninguém vai cair

E ainda te sinto a seguir o rasto que deixo a correr
Ainda penso em ti... pensa em mim, mas só mais uma vez.

Diz-me ao que queres jogar que eu vou querer também
Diz-me quanto queres de mim para te sentires bem
Não te vejo bem ao longe não sei distinguir
Queres só mais uma volta e desta ninguém vai cair

Ainda te sinto a seguir o rasto que deixo a correr
Ainda penso em ti... pensa em mim, mas só mais uma vez.

Diz-me quanto tens de honesto quanto tens de bom
Diz-me quantas provas queres diz-me quanto sou
Já não sinto nada dentro não sei perceber...
Vai só mais uma volta, desta ninguém vai dizer.

Ainda te sinto a seguir o rasto que deixo a correr
Ainda penso em ti... pensa em mim, mas só mais uma vez.

In “Só Mais Uma Volta” – Tiago Bettencourt & Mantha


terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

…Foda-se – por Millôr Fernandes



Este texto, da autoria (na sua versão original) do grande (ou melhor dito) do enorme Millôr Fernandes (Milton Viola Fernandes - Rio de Janeiro, 16 de Agosto de 1923 — 27 de Março de 2012), já tem uns anos mas continua sempre actual e assenta, magnificamente, como uma luva nos tempos em que vivemos…

 …e é umas das razões porque também digo “foda-se” muitas vezes…  rsrs…
Foda-se – por Millôr Fernandes
(adaptado e acrescentado)
 
O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela diz.
Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"?
O "foda-se!" aumenta a minha auto-estima, torna-me uma pessoa melhor.
Reorganiza as coisas.
Liberta-me.
 
O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição.
 
Os palavrões não nasceram por acaso.
São recursos extremamente válidos e criativos para dotar o nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade os nossos mais fortes e genuínos sentimentos.
É o povo a fazer a sua língua.
Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.
 
"Comó caralho", por exemplo.
Que expressão traduz melhor a ideia de muita quantidade que "comó caralho"?
 
"Comó caralho" tende para o infinito, é quase uma expressão matemática.
 
A Via Láctea tem estrelas comó caralho!
O Sol está quente comó caralho!
O universo é antigo comó caralho!
Eu gosto do meu clube comó caralho!
O gajo é parvo comó caralho!
Entendes?
 
No género do "comó caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "nem que te fodas!".
Nem o "Não, não e não!" e tão pouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não, nem pensar!" o substituem.
O "nem que te fodas!" é irretorquível e liquida o assunto.
Liberta-te, com a consciência tranquila, para outras actividades de maior interesse na tua vida.
Aquele filho pintelho de 17 anos atormenta-te pedindo o carro para ir surfar na praia?
Não percas tempo nem paciência.
Solta logo um definitivo:
"Huguinho, presta atenção, filho querido, nem que te fodas!".
O impertinente aprende logo a lição e vai para o centro comercial encontrar-se com os amigos, sem qualquer problema, e tu fechas os olhos e voltas a curtir o CD que estavas a ouvir.
 
Há outros palavrões igualmente clássicos.
Pense na sonoridade de um "Puta que pariu!", ou o seu correlativo "Pu-ta-que-o-pa-riu!", falado assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba.
Diante de uma notícia irritante, qualquer "puta-que-o-pariu!", dito assim, põe-te outra vez nos eixos.
Os teus neurónios têm o devido tempo e clima para se reorganizarem e encontrarem a atitude que te permitirá dar um merecido troco ou livrares-te de maiores dores de cabeça.
 
E o que dizer do nosso famoso "vai levar no cu!"?
E a sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai levar no olho do cu!"?
Já imaginaste o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha do seu interlocutor e solta:
"Chega! Vai levar no olho do cu!"?
Pronto, tu retomaste as rédeas da tua vida, a tua auto-estima.
Desabotoas a camisa e sais à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.
 
E seria tremendamente injusto não registar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu-se!".
E a sua derivação, mais avassaladora ainda: "Já se fodeu!".
Conheces definição mais exacta, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação?
Expressão, inclusivé, que uma vez proferida insere o seu autor num providencial contexto interior de alerta e auto-defesa.
Algo assim como quando estás a sem documentos do carro, sem carta de condução e ouves uma sirene de polícia atrás de ti a mandar-te parar. O que dizes? "Já me fodi!"
Ou quando te apercebes que és cidadão de um país em que quase nada funciona, o desemprego não baixa, os impostos são altos, a saúde, a educação e a justiça são de baixa qualidade, os empresários são de pouca qualidade e procuram o lucro fácil e em pouco tempo, as reformas têm que baixar, o tempo para a desejada aposentação tem que aumentar … tu pensas “Já me fodi!”
 
Então, seja:
Liberdade,
Igualdade,
Fraternidade
e
foda-se!!!
 
Mas não desesperes:
Este país … ainda vai ser “um país do caralho!”
 
 

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Pérolas 029 (especial Valentine’s Day - Dia dos Namorados)





…dedicada aos “amores” (e desamores) da minha vida….passados, presentes... e futuros…  


(…)

And then I go and spoil it all

by saying something stupid

like: "I love you"

(…)


In “Somethin' Stupid” – Robbie Williams & Nicole Kidman


segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

…triste…

…o aviso sonoro do metropolitano ecoa no átrio da estação, qual sirene de navio que se prepara para abandonar o cais…

…venho em corrida apressada, escadaria abaixo e entro na carruagem da frente à justa, com as portas a chocarem uma na outra atrás de mim, fugindo à “guilhotina” do “simpático” maquinista…
…18:00 horas de segunda-feira e ainda há muita gente a regressar a casa, daí que não vislumbro muitos assentos vagos, mas acabo por me sentar junto a um dos lugares de janela, a meio da composição…
…as carruagens arrancam e mergulho na leitura de um romance de Richard Zimler, absorto na musica que me invade os ouvidos pelos fones, ambas panaceias para me alhear desta vida, em tons de cinzento, que me rodeia…
…a recuperar de uma constipação brava, que me deixou zonzo e febril durante quase uns três dias há umas semanas atrás, ressinto-me dos primeiros cigarros que (estupidamente) recomecei a fumar no último fim-de-semana…
…as paragens vão se sucedendo, com o “entra-e-sai” constante do povo…
…exausto de muitas coisas, abandono a leitura, encostando a cabeça para trás e fecho os olhos, expirando fundo… a mesma melodia, em moto-continuo, uma e outra vez, entrando na minha mente…
…alguns minutos depois, apalpo um dos bolsos interiores do meu casacão verde-escuro, procurando os rebuçados peitorais para acalmar a tosse que sinto subir pulmões acima…
…tiro um, desembrulho-o, abro os olhos e enquanto me preparo para o colocar na boca, sinto uns olhinhos azuis fitados em mim, de uma pequenina de totós loiros, sentada na minha frente, enfiada num uniforme de colégio, azul escuro, com as pernas a balançar e sorriso estampado na face…
…busco outro doce no bolso e olho para a sua mãe, sentada ao seu lado, alva e longilínea, que entendeu e anuiu, por detrás dos óculos redondos de aros metálicos e com um leve aceno, a minha eminente oferta…
- queres um rebuçado, nina…?
…rasga mais ainda o sorriso, olha para a mãe, conseguindo aprovação e estica a mão, aceitando com um “obrigado” cristalino…
- de nada… – retorqui - …e como te chamas…?
- Helena…
- olá, Helena - estendo-lhe a mão e digo-lhe o meu nome…
…cumprimenta-me de volta e, com aquele desassombro e inocência própria das crianças, pergunta-me enquanto começa a desembrulhar o rebuçado…
- tás triste porquê…?
- oh, Lena… então, filha…? – adverte a mãe…
…sossego a senhora, com um aceno de mão e um abanar de cabeça…
- não tou triste, Helena, tou um bocadinho cansado… - e esboço um sorriso…
…ela continua com o sorriso dela, singelo, desenhado a lápis da cor da felicidade de ser criança…
- tá bem… - diz e entretanto saí com a mãe na paragem seguinte, lançando-me um beijo com um aceno de mão…
- adeus…
…torno a recostar-me no assento e vejo o meu rosto reflectido no vidro na janela, transformado em espelho pela escuridão do túnel…
…aproximo um pouco a cara da vidraça e vejo que tenho lágrimas a correr pela face abaixo… nem dei por elas, muito menos as senti antes, mas entendo agora a pergunta da menina…
…a mente, nos seus mais profundos segredos e abismos, surpreende-nos com as reacções menos expectáveis…
…e a mesma música, em modo repetitivo e suave, continua a rodar na minha cabeça, contribuindo (e responsável inconsciente) para o dilúvio que continua a descer dos meus olhos, até que eu saia para a rua e o dilua com a chuva que vai caindo…


JP ®
 

(…)
 Tô com sintomas de saudade
 Tô pensando em você
 E como eu te quero tanto bem
 Aonde for não quero dor
 Eu tomo conta de você
 Mas te quero livre também
 Como o tempo vai
 E o vento vem
(…)

In “A Sua” – Marisa Monte




domingo, 10 de fevereiro de 2013

Pérolas 028



Keep you in the dark you know they all pretend
Keep you in the dark and so it all began
Send in your skeletons
Sing as their bones come marching in again
The need you buried deep
The secrets that you keep are at the ready, are you ready?
I'm finished making sense
Done pleading ignorance that whole defense
Spinning infinity, but the wheel is spinning me
It's never ending, never ending
Same old story
What if I say I'm not like the others
What if I say I'm not just another one of your plays
You're the pretender
What if I say that I'll never surrender
What if I say I'm not like the others
What if I say I'm not just another one of your plays
You're the pretender
What if I say that I'll never surrender
In time or so I'm told
I'm just another soul for sale, oh well
The page is out of print
We are not permanent, we're temporary, temporary
Same old story
What if I say I'm not like the others
What if I say I'm not just another one of your plays
You're the pretender
What if I say that I'll never surrender
What if I say I'm not like the others
What if I say I'm not just another one of your plays
You're the pretender
What if I say that I'll never surrender
I'm the voice inside your head, you refuse to hear
I'm the face that you have to face, mirrored in your stare
I'm what's left, I'm what's right, I'm the enemy
I'm the hand that'll take you down, bring you to your knees
So, who are you?
Yeah, who are you?
Yeah, who are you?
Yeah, who are you?
Keep you in the dark you know they all pretend
What if I say I'm not like the others
What if I say I'm not just another one of your plays
You're the pretender
What if I say that I'll never surrender
What if I say I'm not like the others
What if I say I'm not just another one of your plays
You're the pretender
What if I say that I'll never surrender
What if I say I'm not like the others?
(Keep you in the dark)
What if I say I'm not just another one of your plays
(You know they all)
You're the pretender
(Pretend)
What if I say that I'll never surrender
What if I say I'm not like the others?
(Keep you in the dark)
What if I say I'm not just another one of your plays
(You know they all)
You're the pretender
(Pretend)
What if I say that I'll never surrender
So who are you
Yeah who are you
Yeah who are you!
In “The Pretender” – Foo Fighters
…dedicada a todos os hipócritas, os dissimulados, os mentirosos, os prepotentes, os corruptos, os falso-moralistas, os bajuladores, os fingidores e todos os “animais” semelhantes que teimam em atravessar-se na minha vida…
…não me vergo, não me vendo, não desisto… nunca…
…resistir sempre…