(...acho que somos assim...um bocadinho que seja...)
A identidade secreta do povo português
Em 2002, Durão Barroso disse que
Portugal estava de tanga. Entretanto, passaram 11 anos e é difícil negar que
fomos perdendo cada vez mais roupa. Eu não sou crítico de moda, mas creio que
estamos perante uma impossibilidade. Não é possível passar uma década a
confiscar a indumentária a um povo que já está de tanga. Minto: é possível
apenas em duas situações muito específicas e altamente improváveis. Se o povo
em causa tiver a tanga vestida por cima do resto da roupa, pode dizer-se que
está de tanga no primeiro momento, e fica apto a continuar a perder peças de
vestuário antes de se achar completamente nu. Esta hipótese, a verificar-se,
confirma a minha suspeita antiga de que o povo português é o Super-Homem. Tinha
a tanga por cima da roupa em 2002 e foi ficando sem a capa e o fatinho de licra
azul ao longo dos últimos anos. E aguentou tudo com força sobre-humana, que é a
única maneira de um povo aguentar isto.
Outra hipótese: em 2002 o povo
estava, de facto, de tanga, mas tinha várias tangas vestidas, umas por cima das
outras. E foi perdendo tangas, ano após ano, até estar na situação em que se
encontra agora - em que, se não está nu, estará, no máximo, monotanga. Nesse
caso, o povo português não é o Super-Homem. É uma espécie de Tarzan multicueca.
Um Tarzan que, tendo viagem marcada na Ryanair e, por não querer pagar uma
quantia extra pela bagagem, levasse todas as suas tangas vestidas, por exemplo.
Seja qual for a hipótese
correcta, é seguro afirmar a excepcionalidade do povo português, dadas as
características admiráveis, quer do homem de aço, quer do rei dos macacos. Não
ignoro que haja bons argumentos para refutar estas hipóteses. Pode dizer-se,
por exemplo, que a posição em que estamos, no que à soberania diz respeito,
torna muito improvável que o povo português seja, na verdade, o rei de alguma
coisa, dado que temos cada vez mais dificuldade em fazer súbditos, mesmo entre
os símios. Também é difícil identificar o povo português com o Super-Homem,
sobretudo tendo em conta a extraordinária habilidade deste para combater o
crime e a nossa absoluta incapacidade de meter bandidos na cadeia. Mas eu
continuo inclinado para achar que o povo português tem uma identidade secreta
oriunda do universo da ficção, na medida em que me parece, ele próprio, uma
personagem fictícia: nenhum povo de carne e osso teria a capacidade de,
empobrecido e desesperado como está o nosso, manter a nobreza de alma que é
evidenciada quando os protestos se fazem a cantar e a rir.