…lembras-te da “Munique”,
pá…?
…putos adolescentes que
eramos e tanto curtíamos aquele nosso canto…
…quantas noites loucas as
mesas corridas daquela cervejaria viram…
…no Inverno, mesmo quando
chovia e fazia frio cá fora, o diluvio que existia lá dentro era de cerveja
pelas gargantas abaixo e calor da amizade que então existia aquecia o corpo e a
alma…
…no Verão, a paragem na “Munique”
era, tantas vezes, trampolim (e aquecimento) para o resto da noite… ou então
ficávamos por ali mesmo, até quase fecharem as portas…
…ou outras tantas vezes,
saindo mais cedo, com um salto até às roulottes das bifanas e dos pregos na
rotunda do Relógio, para forrar o estomago e beber uma ultima bejeca antes de
regressar aos Olivais… ou ficarmos sentados na rampa relvada na entrada da 2ª
circular-sentido norte, em conversa mole, latas de Sagres e uns porros a rodar,
fraternalmente, pela malta… a ver os últimos aviões do dia, a aterrar na pista
da Portela logo ali à frente…
…lembro-me de uma vez que
o resto do pessoal foi mais cedo e eu fui lá ter mais tarde… chovia a cântaros,
a “Munique” estava cheia, a abarrotar e espreitei lá pra dentro pela vidraça
embaciada… tentando visualizar onde estava o resto do povo… e foi fácil de
localizar porque, como quase sempre, eram as mesas onde havia mais algazarra e
onde estavam mais imperiais e canecas vazias…
…e lembro-me dos ladrilhos
pretos no chão, que se cruzavam perpendicularmente e em que uma das linhas
terminava mesmo no cimo das escadas que desciam para a casa de banho… o que
dava bastante jeito porque neles seguíamos religiosamente, um pé a seguir ao
outro, quais equilibristas no arame e entre risadas abafadas, quando calhávamos
numas mesas mais afastadas e tínhamos que ir verter águas, meio zonzos…rsrs…
…e recordo-me de uma vez, já
muito alegres, que cada um pediu a sua caneca (depois de muitos finos antes) e
pedimos a um empregado para nos trazer uma colher a cada um… estranhou o
pedido, mas lá trouxe… e depois ficou de olhos tortos a ver-nos fazer corrida
de emborcanço de cerveja como se fosse sopa…rsrs…que doideira…
…e acho que foi o mesmo
empregado que de uma outra vez, já previamente preparados, nos viu sacar cada
um da sua palhinha para mais uma louca e estapafúrdia disputa para virar uma
imperial em menos tempo…rsrs
…e tantas mais cenas que
já não me lembro de metade…
…muitas noites em que se
partilharam risos, lágrimas, abraços, partilha de sonhos, discussões mais
acesas, cantigas em coro, guerras de tremoços e pevides, discursos em cima das
cadeiras (…bolas, a paciência que aqueles empregados tinham para nos aturar por
vezes…rsrs)
…há dias passei por lá,
sabes…?
…depois de ter fechado, já
foi uma sapataria, uma boutique, uma agência bancária…agora está lá uma loja de
telemóveis…
…fiquei ali uns segundos,
debaixo da arcada onde (ilegalmente, soube pouco depois de ter encerrado)
estava parte da cervejaria… a tentar ouvir, nos murmúrios do tempo e da memoria,
o rebuliço da “Munique”, os pedidos dos empregados feitos em voz alta e
vibrante (“sai um fino”, “duas canecas fresquinhas”, “uma rodada de girafas prá
rapaziada da mesa 4”), o tinir dos cristais e dos talheres, o aroma dos
petiscos, as gargalhadas e a algazarra geral…
…foda-se, que momentos
bons foram aqueles…
…e perdemos a “Munique”,
pá…
…e nestes anos todos volvidos
talvez tenhamos, infelizmente, perdido algo mais…
JP ®