domingo, 26 de janeiro de 2014

…a sétima onda…



…Praia do Norte, Costa da Caparica…
…quase não me lembro a última vez  que estive aqui…
…houve tempo na minha adolescência em que bastava haver uma nesga de sol a partir Abril para vir acampar fins-de-semana e férias escolares com a malta para o parque da Orbitur, até que o Verão durasse…
…tempo antes de começar também a dar saltadas ao Algarve e mais antes ainda de descobrir e me apaixonar perdidamente pelo litoral alentejano, selvagem, ainda praticamente deserto de forasteiros, comparativamente com o que se passa agora…
…é cedo, oito e pouco da manhã, dia de semana a meio em final de Setembro, tempo ligeiramente nublado e temperatura longe do braseiro de Agosto… 
…condições  que fazem estar a praia como gosto: quase vazia e sem um calor infernal…
…e que fizeram aproveitar dois dias de férias em atraso para vir matar saudades da areia debaixo dos pés, do sabor do mar salgado, do cheiro da praia, do sol a bater dócil na minha pele desabituada da sua intensidade…
…com os “velhos” Longboard azul-escuros vestidos, caminho desde meio do areal molhado em direcção à água, um ultimo olhar para trás, fixando um ponto de orientação onde deixei a toalha…
…sinto a brisa matinal, uma aragem fresquinha que me percorre a derme…
…a espuma das ondas gorgoleja à volta dos pés, no vai-e-vem da maré, que sobe pelo corpo acima… tornozelos, coxas, cintura… devagar… gozando a frescura da água, salpicando-a por todo o tronco, num arrepio agradável…   
…o mar está bom, “picadinho”, com ondas certas, maré em enchente… sempre preferi um mar com ondas a um “mar chão”… sentir a força do mar em cada mergulho, em cada braçada, admirar e fruir a sua transparência azul-esverdeada…
…lanço-me à agua de cabeça em sentido longitudinal, membros esticados, em salto de peixe, experimentando de novo aquela maravilhosa sensação de sentir aquele friozinho especial do mar da Caparica no corpo todo…
…submerso, vejo a areia e pequenas algas passarem difusas por baixo de mim, durante dois ou três batimentos de pernas…
 …venho à tona, inspirando fundo, desvio o cabelo, que está mais comprido que o habitual, dos olhos… “estendo-me” num dos prazeres mais simples da vida…que é apenas deixar-me flutuar, como agora… com o conforto do balanço das ondas e o infinito em cima…    
…abandono-me por minutos deitado neste colchão liquido e firmo depois as pernas na areia…
…o Atlântico bordeja-me as ancas e as ondas continuam rolar cíclicas na minha direcção…em intervalos mais ou menos regulares…um após outra, numa cadência que descobri que já há muito tempo atrás, em que ficava tempos infinitos, sentado na praia, a olhar o mar na sua força e majestosidade, a desfazer-se em suave espuma quando chegava até junto de mim…
…as ondas a erguerem-se , uma após outra, em contagem progressiva até à sétima… a onda maior da sequência…
…olho o horizonte e revejo momentos antigos da minha memória… encadeados em cada onda cuja rebentação se desfaz no areal e que vou enumerando neste momento e associadas nas minhas lembranças…
…uma…
…duas…
…três…
…quatro…
…cinco…
…seis…
…até à onda-rainha que se aproxima… a sétima…
…em formação ao longe, depois a erguer-se lenta mas pungentemente acima de tudo… num som surdo a principio, até quase parar no tempo, suspensa frente de ti, numa enorme parede translucida pronta para me engolir… e eu pronto para abraçá-la com prazer, enquanto ela ruge em meu redor, desfazendo-se depois até se silenciar em murmúrios  a caminho da praia, molhando gradualmente a areia seca, no compasso da maré-cheia…
…ela aí está de novo à minha frente e eu, ansioso, satisfeito, entro nela…
…a sétima onda é a mais forte da rebentação, a que te faz sentir o corpo vibrar, a que te faz estremecer e sentir a felicidade intensa mas efemeramente curta e eterna também, como o vislumbre do olhar da mulher que amas quando lhe provocas um doce orgasmo…
…e foi assim que ela passou por mim e eu por ela, uma vez mais, como muitas coisas na minha vida, intensas e curtas… como certas coisas que gostava muito de manter tão intensas também, mas mais duradoiras…
…regresso devagar à toalha e deito-me prazenteiramente, deixando-me acariciar pelo sol que esse é eterno… (pelo menos, até ver…)

JP ®


Sting - Love Is The Seventh Wave

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