…confesso que foi coisa que nunca entendi muito bem, quer
a caça, quer a pesca, como hobbies ou actividades de lazer, por assim dizer…
…no entanto, embora por razões diferentes…
…a caça acho que é, no mínimo e quase sempre, uma
imbecilidade sem fim…
…principalmente, quando justificam essa actividade “essencial
para manter os níveis cinegéticos” (dizem os caçadores mais instruídos, que
significa abater tudo quanto é animal que mexe no meio do mato – mesmo que
digam o contrário – mas com estilo nas suas vestimentas de “griffe”)… …ou “pelo
convívio” (dizem aqueles outros mais boçais, que significa tomar um mata-bicho
matinal antes de desatar às chumbadas pró ar, apanhar uma bebedeira valente ao
almoço e passar a tarde às voltas, para regressar a casa com dois pardais à
cintura, a culpar os cães porque não “farejam” nada)…
…conheço exemplos destes dois tipo de indivíduos…
…um foi meu colega de escola, tipo que até era provido de
inteligência, mas que tinha a caça como uma actividade de culto, quase na base
de uma herança familiar… o avô era caçador, os pais e os tios eram caçadores,
os irmãos e os primos mais velhos eram caçadores… e ele era caçador “por
descendência”… embora eu sempre tivesse achado que o fizesse sem muita
convicção, pois apesar de tentar mostrar muita paixão quando falava disso,
sempre me soou que o fazia mais por “tradição” de família do que por verdadeira
devoção…
…também conheço aqueles de outro quadrante… os
verdadeiros grunhos que não caçam praticamente nada mas sempre prontos para
verter pura fanfarronice para quem tenha a paciência dos ouvir, fantasiam
magnificas aventuras, com inúmeros troféus abatidos, quando no fundo regressam a
casa de bornal vazio e ainda meio zonzos e a arrotar cervejas mornas…
…inevitavelmente, associado a um “bom” caçador existe,
quase sempre, um “imenso” mentiroso… uma das tretas mais míticas das célebres
“estórias de caçadores” que lembro até hoje, ouvia-a da boca de um tio-avô meu
(que se enquadrava no meio-termo dos exemplos acima descritos)…
…eu deveria ter uns 10 ou 11 anos talvez, agarrado a um
Sumol de ananás, num qualquer Verão campestre, numa roda de familiares e amigos
seus na esplanada de um café e recordo-me perfeitamente, do seu jeito à laia de
bazófia, se vangloriar que uma vez quando “andava aos coelhos”, nuns campos à
volta de Castelo Branco, ter deparado e, naturalmente, abatido heroicamente uma
cobra que, pela descrição que alongadamente fez, seria uma anaconda da floresta
amazónica… apesar de ser petiz, achei no mínimo estranho ele nunca ter exibido
tal troféu lá por casa… e ouvindo tal patranha, encolhi mentalmente os ombros e
fui jogar matraquilhos…
…igualmente os pescadores são pródigos em “esticar a
realidade”… conheço também uns poucos assim… a maioria dos quais, a julgar pela
interpretação das suas palavras, pescam robalos e safios do tamanho de tubarões
brancos e, sozinhos numa tarde, tiram da agua mais pescado que uma traineira
num dia de faina bastante proveitoso…
…ainda assim, a pesca à cana como actividade “recreativa”
não me enoja como acontece com a caça…
…apenas acho que é… (como dizer…?) …tremendamente entediante,
acho que é a expressão adequada…
…e posso falar por experiência própria, porque mesmo que
amigos meus me tivessem convidado diversas vezes para experimentar num
fim-de-semana qualquer, a minha ideia de um dia de descanso nunca foi, como por
vezes o faziam, levantar-me de madrugada e ficar quase um dia inteiro, horas
infinitas, agarrado a um pau com uma linha atada à espera que um peixe morda o
isco no anzol… são gostos, pronto, fazer o quê…?
…e, no entanto, uma vez por “acidente” até me acabei por
me “achar” com uma cana de pesca na mão…e o mais incrível é que “pesquei” algo…rsrs…
…deveria eu ter uns vinte e poucos anos e fui com um
amigo meu passar um outonal fim-de-semana alargado à linda vila de Cabeção, perto
de Mora, terra-natal do seu pai…
…a noite anterior tinha sido passada (eu, esse meu amigo,
o pai dele e mais uns amigos deste)“saltitando” de adega em adega, pequenos
recantos de vivências partilhadas entre mais velhos e mais novos, refúgios onde
se encontra (como noutros lugares e situações) a genuinidade e aquele sentir
único, fraterno que o povo alentejano transmite… uma noite inteira a provar o
vinho novo, néctar delicioso, feito em velhas talhas de barro, degustado sempre
acompanhado dos providenciais queijo de ovelha curado, chouriça, presunto de
porco preto, azeitonas, pão caseiro e migas … enfim, um paraíso para as papilas
gustativas, entre conversas gostosas…
…pela manhã (cedinho), amanhecendo o dia ameno para a
época e com um céu límpido, alguém teve a louca ideia de ir pescar num pequeno
curso de água, afluente da Ribeira da Raia… e ainda com as cabeças meio
toldadas dos vapores etílicos, lá foi o pessoal todo, em dois carros, canas na
bagageira…
…e foi então quando dei por mim de cana da mão, a colocar
isco no anzol e a lançar desajeitadamente a linha à água, enquanto me
escangalhava a rir…
…as margens estavam pejadas de lagostins de água-doce…
ideia peregrina de alguém que lançou uma vintena deles numa qualquer ribeira
das redondezas, provocando depois a sua multiplicação exponencial, de tal modo
que, em dois ou três anos, se tornaram uma verdadeira praga, prejudicando muito
os arrozais naquela zona…
…poucos minutos depois, fisguei um primeiro e único peixe
da minha vida… uma perca, que é um peixe especialmente voraz, de tal modo
que a minha vinha agarrada ao anzol de tal modo, que foi um cabo dos trabalhos
para conseguir desenganchá-la…
…nem meia-hora mais tarde, regressámos a casa porque era
dia de caça também (curiosamente), e bem perto, ali em redor, os estampidos dos
tiros sucessivos das caçadeiras eram como gongos a martelar a cabeça de alguns
de nós, especialmente do pai do meu amigo, que estava com uma ressaca tremenda…
JP ®
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