Ilustração: João Fazenda
É uma princesa? É uma estrela de cinema?
Não, é a presidente das Raríssimas. E esta é uma mudança de mentalidades que se
saúda. Antigamente, os nossos heróis descuravam a imagem. O Super-Homem, como
se sabe, andava com as cuecas à
mostra. O Batman parecia uma esposa da Arábia Saudita. Paula Brito e Costa,
presidente da Raríssimas, soube inovar – e pratica o bem com estilo. Tenho a
certeza de que as pessoas que sofrem de doenças raras ficariam desconfortáveis
se soubessem que a presidente da associação que lhes dá apoio vestia na Zara.
Ou que comia carapau. Ou que se deslocava numa viatura barata. É provável que
nem desfrutassem completamente das sessões de fisioterapia, ou das aulas de
terapia da fala. Mas os invejosos do costume censuram os gastos da senhora. A
culpa é
da banda desenhada, que foi perpetuando um estereótipo nocivo da figura do altruísta. Todos
os que se colocam ao serviço
dos outros são
retratados como brutos pouco sofisticados. Não custava nada que o Homem-Aranha, nos
intervalos de salvar o planeta, fosse retemperar forças para um spa no Brasil,
que lhe desobstruísse, quer os chakras, quer aqueles canais através dos quais
ele esguicha teias. E depois enviasse a factura para uma associação sem fins
lucrativos financiada pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança
Social. O Capitão América bater-se-ia contra as Potências do Eixo com outro
empenho se evitasse o pronto-a-vestir e comesse com requinte. Ajudar os outros,
sim, mas impecavelmente vestido e com o bandulho cheio de gambas.
Esta nova perspectiva ajudaria a convocar
voluntários para este tipo de actividade. Meninos e meninas sonhariam, desde
pequenos, com o trabalho em associações solidárias. Ajudar os outros é mais
atraente quando os outros também nos ajudam a nós. É o mínimo que eles podem
fazer, aliás. Até aqui, os necessitados de apoio desejavam apenas, e
gananciosamente, o nosso apoio. Assim é mais justo. E o mundo está cheio de
gente boa que gostaria de se dedicar ao próximo com o apoio do Estado.
Massagens, marisco, vestidos de alta-costura, um BMW, emprego para o marido e
para o filho e a reverência
respeitosa dos que nos rodeiam são bons incentivos para acirrar o altruísmo que há em cada
um de nós.
Vistam-me, alimentem-me e massajem-me e eu mostro-vos imediatamente um mundo
melhor: o meu. Depois é só tratar do mundo dos outros, que é o mais fácil.
Publicado por Ricardo Araújo Pereira , em 14 de Dezembro de 2017 in revista “Visão”
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