Regina’s One – por Ricardo Araújo Pereira
Há três anos, um homem foi detido num supermercado do
Porto por ter tentado sair com 15 chocolates escondidos no casaco. Ao que se
sabe, o golpe foi preparado sem a ajuda de cúmplices. Se, um dia, a indústria
do cinema quiser fazer um filme sobre o assunto, a principal dificuldade será a
de contar uma história que tem menos dez protagonistas do que o célebre Ocean’s
Eleven, sobre o assalto a um casino. Outro problema tem a ver com as
designações: como referir o homem? Ladrão não parece apropriado, uma vez que
ele não chegou a conseguir roubar nada. Admito que o caso não é dos mais
espectaculares, e talvez por isso o tribunal tenha condenado o homem a 90 dias
de prisão, convertidos em 90 horas de trabalho comunitário. Mas o Ministério
Público não ficou satisfeito com a sentença e recorreu. Agora, o Tribunal da
Relação agravou a pena para um ano de prisão. Estes juízes valorizaram o facto
de o criminoso ter ameaçado os funcionários do supermercado com uma seringa que
disse conter o vírus HIV, ao passo que os primeiros juízes deram mais atenção à
circunstância de o homem ser “um indigente com um percurso de vida errático”.
Vale a pena, então, examinar o caso com mais cautela.
O tribunal estimou o valor dos bens roubados em 23 euros e 58 cêntimos, o que
significa que cada chocolate custa cerca de um euro e meio. Nada é dito sobre o
tamanho dos chocolates, pelo que ficamos sem saber se se trata de pequenos
bombons relativamente caros ou de tabletes relativamente baratas. Uma vez que o
bandido tentou roubar e ameaçou infectar mas não roubou nem infectou, algumas
pessoas sem formação jurídica têm perguntado se a pena de um ano de prisão não
será demasiado dura, sobretudo tendo em conta a postura da justiça
relativamente a outros criminosos. Ainda há pouco, um tribunal de Felgueiras
condenou a um ano e três meses de prisão com pena suspensa um homem que agrediu
a mulher com uma moca de pregos, auxiliado por outro indivíduo, também
condenado a um ano com pena suspensa. A protecção jurídica do chocolate parece
estar a par da protecção jurídica da mulher, o que desmente as acusações de
sexismo da justiça portuguesa. “Gostamos tanto de vós como de chocolate”,
parecem dizer os tribunais às cidadãs de todo o País. Há ainda outra hipótese:
este crime foi cometido em Fevereiro de 2015, por volta do Dia dos Namorados.
Talvez o tribunal tenha desconfiado que o indigente estava a roubar chocolates
para oferecer a uma mulher adúltera e, na impossibilidade de a punir a ela,
puniu o seu namorado. Também está certo.
Publicado por Ricardo Araújo
Pereira , em 8 de Março de 2018 in revista “Visão”
Ler mais: http://visao.sapo.pt/opiniao/ricardo-araujo-pereira
Ler mais: http://visao.sapo.pt/opiniao/ricardo-araujo-pereira
(…enfim, mais uma decisão judicial dos venerandos mentecaptos do Tribunal da Relação do Porto… mas há muito pior, "produzido" por estas extraordinárias bestas… registe-se com atenção o que se segue…)
"Governo Sombra", extracto da edição de 18-03-2018
(via podcast da TSF)
Sem comentários:
Enviar um comentário