…um click metálico ecoa no ar
quieto da noite, soltando a coleira do Joly…
…mesmo sabendo que está livre da
trela, fica estático olhando em frente, esperando que lhe dê o sinal que
conhece desde cachorro e que lhe indica que está pronto para deambular a seu
bel-prazer: uma pancadinha seca na parte traseira do lombo e sai disparado, em
correria, pelo trilho que atravessa o bosque…
…sentindo debaixo das botas as
folhas secas caídas do plátano à entrada do caminho florestal, acostumo
rapidamente os olhos à escuridão, onde começo a distinguir, metros à frente, a sombra
do cão, ziguezagueando de cauda no ar e focinho farejando o chão…
…o ar de principio de noite de
inverno está límpido, seco, fresco sem estar demasiado frio como é habitual em
Dezembro nestas paragens…
…um piar de noitibó, solta-se do
alto dos pinheiros, ao mesmo tempo que o Jolas regressa até junto de mim,
língua de fora, em trote suave…
…afago-lhe o focinho, as orelhas
e o topo da cabeça… “lindo, Jolas, lindo”… e ele responde-me quase que sorrindo
com o olhar… “mais uma voltinha, bicho…?”, pergunto … na afirmativa, passa ao
meu lado e direcciona-se para fora da mata, ficando imóvel por uns momentos,
porque sabe que o passeio pela estrada é sempre atrelado, por cautela e devido
ao eterno vício que tem de tentar morder os pneus dos carros que passam por
ele…
…subimos uma leve inclinação de
terreno asfaltado, ponteado por diversas arvores plantadas em ambos os
passeios, até chegar a um planalto de terra batida…
…do lado nascente, as luzes
trémulas das ruas e das casas da vila, espalhadas encosta da Gardunha abaixo, entrecortadas
pelo arvoredo que desce até à ribeira, lembram uma cascata sanjoanina, aninhada
em silêncio…
…no topo da serra a norte, os
pontos vermelhos que sinalizam os gigantes moinhos eólicos, piscam em
intervalos mais ou menos regulares, até se perderem de vista para oeste…
…o céu tem uma névoa lisinha e
atapetada, mal deixando ver as estrelas e impedindo que o quarto crescente da
lua ilumine com muita clareza tudo cá em baixo…
…se tivesse mais frio e com
previsão de chuva, talvez até caísse neve…
…neve que me faz lembrar o meu
pequeno desejo para o dia do fim do fundo…
…e que afinal estava aprazado
para anteontem e não aconteceu…
…desço devagar em direcção a casa
dos meus pais, com o Joly saltitando de um lado para o outro do caminho,
mergulhando uma vez por outra na vegetação das bermas, reconhecendo e marcando
aquele trajecto que já não trilhava há algum tempo…
…acendo um
cigarro, protegendo-o com a manga do casaco da leve brisa que sopra de sul e o
relógio da torre da igreja lá longe faz soar sete badaladas, marcando as horas…
…enquanto
solto o fumo, vejo-o subir no ar, onde se vai fundir com aquele que se eleva
vindo das lareiras aconchegantes em cada casa das redondezas…
…caminho mais
lentamente, antecipando com alguma delícia o prazer de disfrutar o presépio
vivo que, nestes dias, tenho a sorte de apreciar
na alegria contagiante de um pimpolho de oito meses… que veio ressuscitar um
pouco o meu pai, dando-lhe brilho no olhar embaciado e quase sem vida que a
doença lhe trouxe… que veio dar um pouco de esperança e alegria quase infantil,
mas tremendamente emocionante à melhor
pessoa que conheço neste mundo e que é a minha mãe… que colocou um sorriso
radioso na cara do meu irmão como nunca vi antes em 39 anos e meio que o conheço…
…na época do
ano em que a maioria das pessoas, de repente e hipocritamente, se lembram que o
amor, a solidariedade, o calor humano existem e, plasticamente, os transmitem das
mais diversas formas para os esquecerem o resto dos restantes 364 dias do
calendário, tenho ao alcance das mãos, por pouco tempo que seja, um tónico simples
que tentar renascer para os dias que virão… renascimento que sinto em cada ínfimo
minuto que estou com aqueles que realmente amo sem reservas… seja, como hoje é, véspera da noite de Natal
ou não… seja depois de cada fim de mundo que me atinge ciclicamente…
JP ®
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