sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Pedro Rolo Duarte (...in memoriam...)

Pedro Rolo Duarte 
(Lisboa, 16-05-1964 --- Lisboa, 24-11-2017)



Foi de certeza absoluta um dos mais fascinantes jornalista e comunicador (…e sei lá tantas coisas mais que ele era, cronista, radialista, editor, etc…) que sempre admirei…
…acho que a primeira vez que li qualquer coisa dele terá sido no Sete era ele muito novo (…e eu ainda mais, três anos, apesar de poder considerá-lo um rapaz da minha geração, pelo menos em termos de valores e muitas referências …)
…depois continuei a segui-lo amiúde um pouco em tanto lado, tal as suas multifacetadas características profissionais, recordando principalmente os seus programas de entrevista nos canais da RTP, os seus artigos no Independente, na Visão, no DNA e na mítica revista Kapa, que fundou a meias com o MEC e cujos (poucos) números ainda guardo religiosamente desde o século passado…
…ultimamente ouvia-o amiúde na rádio com o João Gobern, no Hotel Babilónia na Antena 1…e lia-o no seu blog…
…para além de ser alguém (…e ele dizia-o com felicidade…) que tinha o privilégio de ter na sua profissão algo que adorava fazer e sempre o empurrava para novos desafios, era também alguém que tinha opiniões próprias, cabeça para pensar por si e coluna vertebral (algo que, nos dias de hoje, não abunda no seio dos colegas da sua profissão)…
…e era um homem que tinha realmente verdadeiros amigos, algo realmente precioso nos dias que correm…   
…seguem dois textos de Miguel Esteves Cardoso (um datado da passada terça-feira e o outro publicado hoje, dia do falecimento do seu amigo Pedro)…



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"Pedro Rolo Duarte"

Viste o teu nome? Ficaste surpreendido? Diz-me que não estavas à espera que já me formigam os dedos para ir buscar a taça. Há quanto tempo andamos, tu e eu, nesta brincadeira de aparecer nos jornais a falar um do outro?
Se calhar julgas que andas escondido e que eu não sei onde estás. Está bem, está: eu sei tudo. Nisso, sou como tu. Não é fácil saber tudo. Também nisso sou como tu: preferia não saber nada. Com nada consegue-se trabalhar.
Fizemos muitas coisas, Pedro, nem sempre ao mesmo tempo, nem sempre os dois juntos. Não se pode ter tudo. Ou pode-se? Na volta, já temos tudo o que poderíamos querer mas continuamos gulosos na mesma.
A verdade - aquela que, com unhas e dentes, ninguém nos tira - é que fizemos, singularmente, muita coisa juntos. Mas não te aconchegues: ainda falta muita coisa. Algumas estão marcadas - algumas há muito, muito tempo - e outras, as melhores, ainda estão por marcar, vê lá tu. (Vê lá essa merda).
A tua palavra, aquela que aparece quando penso em ti e que, como vês, já não me dou ao trabalho de disfarçar, é muito; a tua palavra é muita, Pedro. Sempre pusemos as palavras a trabalhar, a ver se fazem o favor de aproximar-se daquilo que os nossos corações dizem quando doem de memórias, de esperança, de riso e de amizade. Traduzam, porra!
Isso não vai acontecer, pois não? Fica-te com estas, quentes e boas, ao contrário das castanhas geladas e más que não interessam a ninguém. Considera-te surpreendido, velho amigo. Foste apanhado. Diz qualquer coisa, sacana.

Publicado por Miguel Esteves Cardoso , em 21 de Novembro de 2017 in jornal “Público”



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"Para sempre, Pedro"

Pedro, isto já não vais ler. Já não me importo tanto. Vão ler as pessoas que te amam. Estou aqui para lhes dizer quanto tu as amavas. Não te calavas com a tua mãe, Maria João. Éramos os dois apaixonados pelas nossas mães: havia meninos mais mimados pelas mães? Eu nunca conheci.
Chegavas tu. Passávamos horas a contar histórias das nossas mães e não era naquele género competitivo da tua mãe ser melhor do que a minha. Reconhecíamos que, a partir do mais alto nível, as mães não podem ser melhores do que já são.
Passávamos horas a falar nos nossos filhos. O António Maria é um orgulho nacional desde pequeno - todo ele é (só para começar) honra, inteligência, dedicação, generosidade, abertura, entusiasmo e sabedoria — mas o teu amor por ele ultrapassava toda a justiça. Tu punhas-nos todos a amá-lo também.
Vão ter saudades de ti, Pedro. Tu eras uma criança nos teus afectos, puro como se só os sentimentos contassem. Àqueles que amavas perdoavas tudo. Esse perdão já faz falta. Já faz falta o teu amor. Tudo o que tu davas, de tão bonito e verdadeiro, ficou dado para sempre. Mas era tão bom receber o teu amor directamente, de ti.
As mortes são uma merda mas a tua parece a pior de sempre.   Nunca fizeste as coisas pela metade, raios te partam. Tinhas de ser surpreendente até ao fim, mesmo sendo o fim que tão tristemente nos surpreendeu.
Fizeste-me tão feliz, Pedro, tantas vezes. A tua felicidade — amar a família, as pessoas, as coisas, os jornais, as músicas, as discordâncias, os amigos — sobrava para a nossa.
Como é que conseguiste? Como é que vamos viver sem ti? O que é que eu faço aos nossos planos? E agora? Com quem é que eu não vou almoçar todas as quartas-feiras? Já nem disso consigo rir-me, por não estares aqui para te rires comigo.
Tu eras o riso, a aventura de fazer e de andar para a frente, a coragem de bater o pé e insistir, o brio de levantar o queixo e seguir por onde nos desse na real telha.
Teu era o espírito aberto, a alma aberta ao acaso, a abertura do mundo para quem o mundo ama, o ponto de partida multiplicado por cada veneta que se tem, a maneira de amar e ser amado como se o amor fosse a coisa mais fácil e abundante desta vida.
Contigo era. Contigo é e continua a ser. Obrigado por nos teres deixado a melhor coisa que há: o teu amor. Era mútuo, como tu muito bem sabias. Ainda bem que sabias isso e que nada que eu digo aqui seja novidade para ti.
Ao menos isso, Pedro, fica para sempre.
Fica para sempre, Pedro. Espera por nós. Guarda-nos um lugar perto de ti, ouviste?


Publicado por Miguel Esteves Cardoso , em 24 de Novembro de 2017 in jornal “Público”




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