
Este
texto, da autoria (na sua versão original) do grande (ou melhor dito) do enorme
Millôr Fernandes (Milton Viola Fernandes - Rio de Janeiro, 16 de Agosto de 1923 —
27 de Março de 2012), já tem uns anos
mas continua sempre actual e assenta, magnificamente, como uma luva nos tempos em
que vivemos…
Foda-se
– por Millôr Fernandes
(adaptado
e acrescentado)
O nível de stress de uma pessoa
é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela diz.
Existe algo mais libertário do
que o conceito do "foda-se!"?
O "foda-se!" aumenta a
minha auto-estima, torna-me uma pessoa melhor.
Reorganiza as coisas.
Liberta-me.
O direito ao
"foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição.
Os palavrões não nasceram por
acaso.
São recursos extremamente
válidos e criativos para dotar o nosso vocabulário de expressões que traduzem
com a maior fidelidade os nossos mais fortes e genuínos sentimentos.
É o povo a fazer a sua língua.
Como o Latim Vulgar, será esse
Português Vulgar que vingará plenamente um dia.
"Comó caralho", por
exemplo.
Que expressão traduz melhor a ideia
de muita quantidade que "comó caralho"?
"Comó caralho" tende
para o infinito, é quase uma expressão matemática.
A Via Láctea tem estrelas comó
caralho!
O Sol está quente comó caralho!
O universo é antigo comó
caralho!
Eu gosto do meu clube comó
caralho!
O gajo é parvo comó caralho!
Entendes?
No género do "comó
caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso
"nem que te fodas!".
Nem o "Não, não e
não!" e tão pouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não,
nem pensar!" o substituem.
O "nem que te fodas!"
é irretorquível e liquida o assunto.
Liberta-te, com a consciência
tranquila, para outras actividades de maior interesse na tua vida.
Aquele filho pintelho de 17 anos
atormenta-te pedindo o carro para ir surfar na praia?
Não percas tempo nem paciência.
Solta logo um definitivo:
"Huguinho, presta atenção,
filho querido, nem que te fodas!".
O impertinente aprende logo a
lição e vai para o centro comercial encontrar-se com os amigos, sem qualquer
problema, e tu fechas os olhos e voltas a curtir o CD que estavas a ouvir.
Há outros palavrões igualmente
clássicos.
Pense na sonoridade de um
"Puta que pariu!", ou o seu correlativo
"Pu-ta-que-o-pa-riu!", falado assim, cadenciadamente, sílaba por
sílaba.
Diante de uma notícia irritante,
qualquer "puta-que-o-pariu!", dito assim, põe-te outra vez nos eixos.
Os teus neurónios têm o devido
tempo e clima para se reorganizarem e encontrarem a atitude que te permitirá
dar um merecido troco ou livrares-te de maiores dores de cabeça.
E o que dizer do nosso famoso
"vai levar no cu!"?
E a sua maravilhosa e
reforçadora derivação "vai levar no olho do cu!"?
Já imaginaste o bem que alguém
faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige
ao canalha do seu interlocutor e solta:
"Chega! Vai levar no olho
do cu!"?
Pronto, tu retomaste as rédeas
da tua vida, a tua auto-estima.
Desabotoas a camisa e sais à
rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso
de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.
E seria tremendamente injusto
não registar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar:
"Fodeu-se!".
E a sua derivação, mais
avassaladora ainda: "Já se fodeu!".
Conheces definição mais exacta,
pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de
ameaçadora complicação?
Expressão, inclusivé, que uma
vez proferida insere o seu autor num providencial contexto interior de alerta e
auto-defesa.
Algo assim como quando estás a
sem documentos do carro, sem carta de condução e ouves uma sirene de polícia
atrás de ti a mandar-te parar. O que dizes? "Já me fodi!"
Ou quando te apercebes que és
cidadão de um país em que quase nada funciona, o desemprego não baixa, os
impostos são altos, a saúde, a educação e a justiça são de baixa qualidade, os empresários
são de pouca qualidade e procuram o lucro fácil e em pouco tempo, as reformas
têm que baixar, o tempo para a desejada aposentação tem que aumentar … tu
pensas “Já me fodi!”
Então, seja:
Liberdade,
Igualdade,
Fraternidade
e
foda-se!!!
Mas
não desesperes:
Este país … ainda vai ser “um país do caralho!”
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