segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

…triste…

…o aviso sonoro do metropolitano ecoa no átrio da estação, qual sirene de navio que se prepara para abandonar o cais…

…venho em corrida apressada, escadaria abaixo e entro na carruagem da frente à justa, com as portas a chocarem uma na outra atrás de mim, fugindo à “guilhotina” do “simpático” maquinista…
…18:00 horas de segunda-feira e ainda há muita gente a regressar a casa, daí que não vislumbro muitos assentos vagos, mas acabo por me sentar junto a um dos lugares de janela, a meio da composição…
…as carruagens arrancam e mergulho na leitura de um romance de Richard Zimler, absorto na musica que me invade os ouvidos pelos fones, ambas panaceias para me alhear desta vida, em tons de cinzento, que me rodeia…
…a recuperar de uma constipação brava, que me deixou zonzo e febril durante quase uns três dias há umas semanas atrás, ressinto-me dos primeiros cigarros que (estupidamente) recomecei a fumar no último fim-de-semana…
…as paragens vão se sucedendo, com o “entra-e-sai” constante do povo…
…exausto de muitas coisas, abandono a leitura, encostando a cabeça para trás e fecho os olhos, expirando fundo… a mesma melodia, em moto-continuo, uma e outra vez, entrando na minha mente…
…alguns minutos depois, apalpo um dos bolsos interiores do meu casacão verde-escuro, procurando os rebuçados peitorais para acalmar a tosse que sinto subir pulmões acima…
…tiro um, desembrulho-o, abro os olhos e enquanto me preparo para o colocar na boca, sinto uns olhinhos azuis fitados em mim, de uma pequenina de totós loiros, sentada na minha frente, enfiada num uniforme de colégio, azul escuro, com as pernas a balançar e sorriso estampado na face…
…busco outro doce no bolso e olho para a sua mãe, sentada ao seu lado, alva e longilínea, que entendeu e anuiu, por detrás dos óculos redondos de aros metálicos e com um leve aceno, a minha eminente oferta…
- queres um rebuçado, nina…?
…rasga mais ainda o sorriso, olha para a mãe, conseguindo aprovação e estica a mão, aceitando com um “obrigado” cristalino…
- de nada… – retorqui - …e como te chamas…?
- Helena…
- olá, Helena - estendo-lhe a mão e digo-lhe o meu nome…
…cumprimenta-me de volta e, com aquele desassombro e inocência própria das crianças, pergunta-me enquanto começa a desembrulhar o rebuçado…
- tás triste porquê…?
- oh, Lena… então, filha…? – adverte a mãe…
…sossego a senhora, com um aceno de mão e um abanar de cabeça…
- não tou triste, Helena, tou um bocadinho cansado… - e esboço um sorriso…
…ela continua com o sorriso dela, singelo, desenhado a lápis da cor da felicidade de ser criança…
- tá bem… - diz e entretanto saí com a mãe na paragem seguinte, lançando-me um beijo com um aceno de mão…
- adeus…
…torno a recostar-me no assento e vejo o meu rosto reflectido no vidro na janela, transformado em espelho pela escuridão do túnel…
…aproximo um pouco a cara da vidraça e vejo que tenho lágrimas a correr pela face abaixo… nem dei por elas, muito menos as senti antes, mas entendo agora a pergunta da menina…
…a mente, nos seus mais profundos segredos e abismos, surpreende-nos com as reacções menos expectáveis…
…e a mesma música, em modo repetitivo e suave, continua a rodar na minha cabeça, contribuindo (e responsável inconsciente) para o dilúvio que continua a descer dos meus olhos, até que eu saia para a rua e o dilua com a chuva que vai caindo…


JP ®
 

(…)
 Tô com sintomas de saudade
 Tô pensando em você
 E como eu te quero tanto bem
 Aonde for não quero dor
 Eu tomo conta de você
 Mas te quero livre também
 Como o tempo vai
 E o vento vem
(…)

In “A Sua” – Marisa Monte




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