terça-feira, 6 de outubro de 2015

…lost(s) in Brasilia-DF…

JP ®

…um céu amplo e brilhante de azul-claro, mesmo quando polvilhado de nuvens brancas…
…e a terra vermelha…
…foi este primeiro contraste que mais me deve ter atraído depois de uns dias em Brasília…
…é uma sensação nova e diferente conhecer uma cidade jovem, com pouco mais de 55 anos, construída de raiz em pleno cerrado brasileiro, a maior cidade do mundo edificada após o inicio do século XX…por acaso do destino (… ou não, vá-se lá saber…) oficialmente inaugurada na mesma data da fundação da Roma antiga…
…o planeamento ordenado , quase higiénico, do chamado “Plano Piloto” (PP) da capital chega a ser desconcertante de tão diferente, em tantos aspectos, de tudo aquilo que conheço em terras de Vera Cruz, mesmo que não conheça nada de São Paulo para sul…
…mas basta ter assentado no bairro do Guará (já fora dos limites do PP) como local de estadia por cerca de duas semanas, para ver, sentir de novo o “verdadeiro” Brasil e acreditar que Brasília acaba por ser, de certa forma, uma “mentira” apoiada na construção de um magnifico projecto urbano se comparada com o que é realmente a maioria do resto do país…ou como alguns dos seus maiores críticos consideram “fantasia platónica modernista sobre o futuro”…

(…)

…Brasília é única…compartimentada…desenhada para atingir a perfeição de um qualquer arquétipo de metrópole moderna do seu tempo…e em certo(s) aspecto(s) conseguiu e mantém esse desiderato…
…a primeira exploração que faço do seu centro é durante o fim-de-semana…a pé que a cidade é praticamente plana… e deserta… comparada com os restantes dias da semana, andar em grande parte da cidade (onde se situam a maioria dos serviços governamentais, bancos, hotéis, etc) pode equiparar-se a vaguear numa urbe fantasma…perfeita e intacta, mas vazia de gente…cruzo-me algumas vezes com aqueles que, durante a semana e nos mesmos lugares que trilhei, permaneceram invisíveis: os sem-abrigo…
…um com um carro de supermercado cheio de pertences que não consigo identificar ao certo, sobe lentamente uma ladeira alcatroada…eu venho em sentido contrário, descendo, do outro lado da via…no meio do emaranhado da farta cabeleira grisalha, onde distingo uma face escura, curtida do sol, ouço-lhe sair uma ladaínha repetida em frases curtas…não entendo o que diz…
…a meio do dia, na zona do sector hoteleiro sul, um outro está acocorado debaixo de uma sacada alta de mármore de um edifício…passo na frente dele e ele chama-me da sombra…“Senhor”…pede-me um cigarro…faço-lhe sinal para se aproximar…levanta-se devagar, deixando atrás uma garrafa de cerveja e um pão que vejo assomar na boca de saco pardo que ficou no chão…atravessa um pedaço relvado e estico-lhe três cigarros…olha algo surpreso para a minha mão estendida…recolhe-os e murmura algo num aceno de agradecimento, olhos em mim e retorna para o seu refúgio…veste um casaco cinzento, que já pareceu ser de bom corte, sob uma t-shirt de cor indefinida… com calções de ganga nas pernas morenas e pés descalços…
…mais tarde, ao meter-me por uma via que desembocava num imenso muro de grossas tábuas de madeira, impedindo qualquer tipo de passagem devido a obras no local, cruzo-me com outro, a julgar pela mochila com parcos pertences encostada na parede…não deve ter mais que 15/16 anos, alto e espigadote, cabelo preto, curto e crespo…espera potenciais automóveis que venham ali estacionar, nos lugares ainda vagos da rua….jornal enrolado na mão para a sinalização do “destroçe-destroçe”… certos “instrumentos de trabalho” parecem universais… “Oh tio…cigarrinho, por favor…?” …pois…aqui para os mais novos sou tio…estendo-lhe um e pede-me lume…olho o maço e restam quatro…pergunto-lhe onde poderei comprar tabaco…olha-me confuso…eu já sei que, geralmente, com os brasileiros tenho que fazer por falar com vogais abertas e mais articulado do que costume, porque senão raramente me entendem…mas aqui era o “tabaco” que causava estranheza… “cigarros…”, precisei sacudindo a caixa de Camel europeu… indica-me as lojas do terminal rodoviário umas centenas de metros abaixo do local onde estamos…agradeço a indicação e dou-lhe o maço… “…oh, obrigado, tio…viu?...obrigado”…estica-me um enfático “thumb-up”…

(…)

…entre o meio-dia e a uma da tarde…céu limpo, devem estar uns 25/26 graus…e eu no meio da quadra do sector hoteleiro sul…inevitavelmente, acabo por ir almoçar acompanhado a uma “instituição” do modo de viver do brasileiro em qualquer ponto do país, mesmo do mundo: o “shopping”…
…o sector de restauração, no ultimo piso daquele espaço, é variado e até se come bem…mas, pagando a refeição, tenho a primeira prova “in loco” do que já vinha avisado, mas nunca pensei que fosse tão acentuado…o custo de vida em Brasília é alto…talvez porque os salários de grande parte dos habitantes da capital, funcionários de qualquer forma ligados a organismos governamentais também seja bastante elevado relativamente à media nacional…e, no entanto, o Distrito Federal (DF) consta que é a região brasileira onde existe desigualdade salarial e social…
…depois de tomar um café, desço três ou quarto pisos do centro comercial por sucessivas escadas rolantes e escadas…os varandins circulares com vista para a praça principal do shopping center em baixo, polvilhada de esplanadas, estão “entaipadas” em toda a volta com placas de acrílico transparente…explicam-se que é para evitar os suicídios…parece que, principalmente, durante os fins-de-semana, era habitual acontecerem dois ou três… principalmente jovens que se lançavam em voo livre e fatal dos últimos dois pisos para o piso térreo…fico a cismar um pouco, ainda meio incrédulo…o suicídio até o posso entender…de um modo abstracto…pode ser tanto uma acto de cobardia, como de coragem, em simultâneo, depende do prisma que se olhar… não entendo é este prazer final que alguém pode ter em querer partilhar o seu fim com pessoas que pacatamente vão dar uma inocente volta, muitas vezes em família, a ver as montras ou a comer um gelado…e pelos vistos quase que chegou a ser moda…enfim…

(…)

…29 de Junho…curiosamente, é apenas a segunda vez que passo o meu dia de aniversário fora de Portugal…hoje aqui e dezasseis anos depois…anteriormente, foi em Macau, noutro hemisfério e do outro lado do mundo, quase a 18000 quilómetros de distância…tantas diferenças em tudo à minha volta…eu sou o mesmo, mais velho, talvez ainda não muito mais sábio…ou talvez, sim embora devesse e pudesse ser mais…mas aprender é algo que espero que venha a acontecer sempre até morrer…
…acordei cedo hoje…não olho as horas mas pressinto que está prestes a amanhecer porque ouço os primeiros trinados das pequenas aves mais madrugadoras…fico imóvel, deitado no sommier, a olhar a claridade que se vai anunciando pela janela do quarto…
…recordo-me que na antiga Cidade do Santo Nome de Deus de Macau, completei o 32º ano desta minha existência quase sem dar por isso…porque nunca foi de festejar muito o meu aniversário…..e também porque o ali fuso horário é cinco ou seis horas mais adiantado em relação à minha Lisboa…ou seja, em Portugal ainda seria o dia anterior….de qualquer modo, a minha filipina querida encarregou-se de não me fazer esquecer desse aniversário para o resto da vida…
…num bar da ilha da Taipa de que ela era gerente…havia alguma algazarra dos empregados britânicos do jóquei-club e das suas  muito jovens “amigas” tailandesas e algumas “bifas” expatriadas mais velhas,  na pequena pista dançante do recinto cheio de povo a dançar velhos clássicos que debitavam das colunas lá no alto…apesar de terça-feira (dia habitualmente mais calmo), era dia de folga para muitos…e tenho ideia de que também havia, curiosamente, uma festa de anos a decorrer…eu estava no piso superior, um espaço relativamente pequeno, quase colado ao tecto, com duas ou três mesas baixas de madeira pintada de negro, com pequenos bancos cúbicos da mesma cor, uma tv num canto sintonizado num qualquer canal MTV chinês e um sofá corrido em L a cobrir quase toda a parede, onde só e sentado, lia uma edição atrasada do jornal “A Bola”, que nem me recordo onde fui desencantar naquela parte do mundo… pouco depois da meia-noite, a Aida subiu a escada em caracol, os tacões dos sapatos altos a trepidar no metal da mesma…trazia uma bandeja, com um cupcake multicolor com uma vela acesa no topo, uma garrafa de vinho do Porto e dois cálices…traz uma saia comprida e de tecido leve…e raramente a vi de saia…com olhar meigo dela, senta-se junto a mim e canta-me um “Happy Birthday to You” ao ouvido (porque a festa lá em baixo já vai num ruidoso “karaoke” improvisado com musicas da juke-box) , sussurrado no seu inglês de sotaque oriental…sopro a vela, ela bate as palmas com as mãos junto ao peito, beija-me longamente e deseja-me longos anos de prosperidade e saúde…lembro-me de pensar então que, mesmo sabendo os dois que a nossa relação era a termo certo, aquela mulher realmente mostrava quanto podia e sabia amar um homem…
…depois espreitou para baixo (as tailandesas a “cantarem” esganiçadas e os bifes cada vez mais carregados de bebida) e para a escadaria de ferro por onde subira… fixou os olhos nos meus, com um sorriso meio escondido… …”and now, your b-day gift”…e colocou o seu dedo indicador nos meus lábios, pedindo silêncio…soltou-me o cinto e tudo o resto a seguir, subiu para o meu colo de frente para mim e fiquei então a saber (durante alguns deliciosos minutos) a razão pela qual ela trazia aquela saia… ironicamente, cantavam o “You Can Leave Your Hat On”…
…regresso com o pensamento a hoje...Brasília-DF, bairro do Guará…já amanheceu e distingo uma nesga do azul do céu por entre os cortinados…deitado como eu, entre mim e a janela, um corpo maduro e curvilíneo roda o tronco, e a cabeça numa farta cabeleira loira, na minha direcção…sinto os seios encostados do lado direito do meu peito…uns felinos olhos castanhos, desenham um sorriso largo no rosto… que me saúda com uma voz ainda rouca de sono e um beijo nos lábios…”bom-dia….feliz aniversário, Pedrinho”... ok…não foi bem a mesma coisa…mas todos os aniversários, sendo iguais, acabam por ser diferentes, né…?

(…)

…certas metrópoles têm icones que são quase que omnipresentes na sua paisagem…o Cristo Redentor no Rio de Janeiro, a Torre Eiffel em Paris, as Petronas Twin Towers em Kuala Lumpur….como eram também as torres do WTC, em New York…Brasília tem a Torre da TV…que não sendo extraordinariamente alta (quase 245 metros), atendendo à topografia da cidade e ao local onde foi construída praticamente é visível de todo o PP…e de lá, obviamente, praticamente toda a zona do DF é avistável…nomeadamente, um enorme elefante-branco chamado Estádio Nacional Mané Garrincha, um grande estádio de futebol de uma cidade que nem tem qualquer clube de expressão e arena multiuso que, ao que parece, não tem quase nenhum uso… um custo de construção de 1,7 biliões de reais e custos médios de manutenção (que, a olho nú, não parece que exista muita) na ordem dos 600 mil reais por mês, digamos que dizer que são números obscenos em qualquer parte do mundo…e tendo em conta a realidade essencialmente sócio-económica do Brasil que conheço, “obsceno” acaba, ainda assim, por ser uma palavra pouco forte…
…talvez por e devido a situações destas e similares, a contestação aos governantes, seja qual for a cor que esteja no poder, é uma presença quase sempre constante, em manifestações ou acampamentos de protesto, nomeadamente em frente do edifício-sede do Congresso Nacional e/ou em plena Praça dos Três Poderes…e embora me lembre, ao longo dos anos e à distância das noticias em Portugal, de várias eventos de contestação e protesto no Brasil, senti de perto andando pelo meio de algum povo ali estacionado e também pelo que ouvi principalmente na televisão que o PT e os seus governantes se lambuzaram “à grande e à francesa” nos vários sectores dos poderes politico e financeiro…
…e, no entanto, também me deu a parecer que muitos brasileiros já esqueceram que outros políticos de cor diferente que fizeram “tropelias” do género (...verdade que, visto de fora e numa análise calculada, não tão escandalosa…) e ainda, mais grave que isso, outros tantos esqueceram que, em liberdade, podem protestar, contestar, opinar….algo que não podiam fazer (sem risco) na ditadura militar de algumas décadas atrás… a memória dos homens é curta em qualquer latitude do mundo…

(…)

…putz…devo estar passado da cabeça…mesmo…é de madrugada para mim numa situação normal de férias e descanso…são oito e meia da manhã…já me levantei há cerca de uma hora e meia antes, para ir caminhar num parque de um bairro nos arredores do centro de Brasília…convenceram-me a isso…sem muito esforço, diga-se…também fiz por ser assim…é a terceira vez que estou aqui, neste mesmo local a fazer o que fazer agora…t-shirt, calcão longo e ténis que podiam ser mais adequados, mas os Umbro Urban que tenho calçados servem… não sei que distância percorri de cada vez que segui o mesmo percurso “programado”…curiosamente, para quem fuma, em média, um maço de cigarros por dia e para quem nos últimos meses tem sido bastante sedentário em comparação com grande parte da sua vida, fico surpreendido como consigo fazer a caminhada com um ritmo apreciável e certo, até arriscando um bocado de corrida leve e chegar ao final até muito bem, bem longe de estar com os bofes de fora… o facto de ir bem acompanhado ajudou e a paisagem em redor, humana inclusive, também… o parque urbano é agradável, grande, muito verde, bons trilhos asfaltados para caminhantes/corredores ou ciclistas, interpolado com bebedouros públicos, zona com parques de jogos e outras actividades…muita gente (muita mesmo) de várias idades, uns mais light, outros verdadeiros fanáticos aplicados de jogging e afins…é um lugar até bem policiado para um simples parque de actividades lúdicas… constato, como já sabia antes de experiências in loco, que esta prática saudável é, há muito tempo, muito comum deste lado do Atlântico… e muito transversal e homogénea… há os mais comprometidos com um treino rigoroso, os mais descontraídos e os mais "distraídos" também (que vão ver as "vistas", mais do que correr), os mais velhos que teimam em manter uma forma física e um desembaraço de movimentos admirável…há quem vá conversando com o parceiro se o tiver, quem vá ouvindo os passarinhos no trajecto, quem vá no seu mundo com uns phones com musica vibrando nos ouvidos…e há quem leve os cães para caminhar/correr também…ou simplesmente passeá-los por ali…em certas zonas do parque, há várias extensões largas de relvado com algumas árvores espalhadas em volta, onde os bichos podem correr, ladrar, esfregar-se com prazer no chão, interagir, de várias formas, uns com os outros (assim como os respectivos donos o fazem entre si)… e fazem também outras actividades (em estado líquido ou sólido) quando a natureza os chama a isso…no entanto, a maioria de quem os acompanha é diligentemente higiénico e é raro ser confrontado com algum “presente” no chão…
…é interessante e curioso este segmento militante dos donos dos cães…trocam muitas experiências e informações entre si, comentam as proezas e as “asneiras”das suas mascotes, etc… observei aqui e noutros pontos da cidade, que tem o hábito muito peculiar de vestir ou travestir os animais e/ou torná-los aproximados à sua imagem…acho que o caso que mais me impressionou foi de um negro que tinha uma jovem cadela negra…longa de pernas altas e esguia de corpo como ele…simpática, brincalhona e afável como o seu dono…e como o seu dono, tinha um piercing no nariz, outro no sobrolho e dois brilhantes incrustados nas grandes orelhas a servir de brincos… eu nem perguntei como e quando o pobre animal foi sujeito a tal atrocidade, mesmo que aparentemente não lhe parecesse fazer grande “confusão”…o certo é que o grupo (donos com os respectivos pets) do qual eu estava junto, encontravam-se quase extasiados (“Que gracinha! Que máximo! Que bacana”) com aquilo… perante a aprovação geral e o meu silêncio, alguém me olhou como se procurasse sondar opinião… olhei a cadelita sorridente na minha frente e para o negão orgulhoso do lado dela…
...“Bárbaro…!” – acenei com a cabeça…
…logo surgem sinais de concordância em meu redor…”É mesmo…! Super…! Mara(vilha)…!
…acho que lhes escapou, e muito, a ironia do meu comentário…

(…)

…final de noite…na pequena casa-de-banho, o espelho grande sob o lavatório reflecte a minha imagem saído de um duche fresco… deslizo a toalha pelo tronco…estou queimado do sol no rosto e nos braços…dá-me um “bronzeado de camionista” marcado pelas t-shirts…algo um pouco hilariante…seco o corpo a caminho de me sentar no sofá, chinelando pela saleta…ao meu lado, parece nem darem por mim…tic,tic,tic, teclando no whastapp, toc, toc, toc, mais um like no facebook…na tv passa uma novela…pergunto se posso mudar de canal…olhos no telemóvel, ou melhor, no celular smart-phone (rs), nem quase me ouvem…repito a pergunta…três segundos de olhos em mim, um sorriso, “sim, sim, pode, com certeza…” e lá voltamos ao tic, tic, tic, toc, toc, toc…
…vou zappando os canais e fico pelos canais de informação…nos dias que tenho visto alguns deles, nacionais ou locais, os grandes focos de noticias passam por uma grande operação policial e judiciária que envolve praticamente meio mundo do governo em grande esquemas de corrupção em larga escala, a hipótese de um “impeachment” presidencial também derivado desta situação e a discussão sobre a redução da maioridade penal para (pelo que entendi) os 14 anos de idade…independentemente da posição que cada cidadão pode e deve ter sobre cada um destes temas, o que me faz confusão são os jornalistas brasileiros (na televisão, que não li jornais, nem ouvi noticias na rádio) na sua generalidade…seja sobre estes ou seja sobre outros casos do quotidiano que sejam noticiados, desde as oscilações do preço da batata-doce ao decote de um vestido que uma actriz famosa levou numa cerimónia qualquer, desde a colacação de uma determinada placa de sinalização num qualquer local ao uso de açúcar versus adoçante no café, os pivots e outros apresentadores e os repórteres de exterior, não informam, mas debitam ferozes opiniões e estados de alma declarados….se complementam uma noticia com um comentário ou citação de um protagonista ou interveniente na mesma, quase sempre não resistem a meter uma colherada dissertando sobre o que foi mencionado…se o Marinho Pinto (palrando estupidamente como é seu hábito, verdade seja dita) apelidou o Jornal de Sexta da TVI com a Manuela Moura Guedes de “jornalismo travestido”, decerto que a consideraria o ultimo paradigma de isenção jornalística se estivesse por aqui…
…o tic, tic, tic, toc, toc, toc continua ao meu lado…bocejo, levanto-me, lavo os dentes e vou dormir…

(…)

…está um luar daqueles...enorme…e lua parece maior ainda quando reflectida e espalhada nas águas no Lago Paranoá…estou no Pontão do Lago Sul…lugar lindo, fresco e verde…bares, restaurantes, musica ao vivo…gente bonita na noite…de um dos lados observo as luzes dos faróis dos automóveis que atravessam a Ponte JK com os seus três arcos desencontrados…caminho ao longo da margem, desmoendo um jantar que, agradável que fosse, me causou uma reacção ainda entre a gargalhada e a leve indignação, quando a conta veio e incluía um item designado “couvert musical”, ou seja, a conta incluía a musica ambiente que estava a ser passada pelo um DJ (…certamente um CD que rodava sozinho...)…nunca vi tal coisa no mundo, só podia ser com este povo...nem tinha reparado e até me sugeriram que mandasse tirar tal parte do total a pagar…mas optei por ouvir o desassombro meio embrulhado do garçon a quem pedi explicações…sorri de volta com algum sarcasmo e deixei que “dessem musica” duas vezes…bem (suspiro fundo) que se foda…estou de férias e não me vou chatear com cretinos…
...apesar da claridade lunar, consigo distinguir umas estrelas no céu imenso, quando passo num espaço relvado, em que o baixo casario em volta, oculta a lua que vai descendo lentamente no horizonte… 
...olho para cima e procuro no brilho do céu a Ursa Maior…
…e então, neste acto de busca, apercebo-me, com grande ironia, quanto estou "perdido"…
…vou abraçado em silêncio, mão-na-mão, com um dos maiores e mais “perfeitos” equívocos que me aconteceu na vida…
…e procuro um "meu" ponto de referência errado no Cruzeiro do Sul, quando ele aí não existe e está no extremo oposto em termos de hemisfério… provavelmente, ando a procurar algo nos locais errados… e para além de perdido, parece que procuro algo para compensar perdas…e perdas foi algo que me aconteceu em catadupa nos últimos tempos…de todo o tipo, materiais e emocionais... algumas perdas fizeram-me fazer descobrir mais algo de mim… fizeram-me descobrir que não tenho "jeito" algum para ser orfão de pai, por exemplo, porque ele me faz falta e ainda há tão pouco tempo partiu… descobrir que sinto a falta de dois seres, ditos irracionais pela maioria dos chamados seres pensantes que vegetam em meu redor, como foram o Joly e o Luffy na minha vida, que igualmente perdi para sempre… descobrir que sinto a falta de tudo de bom que tive na minha vida...pessoas e afectos, amigos e amores que perdi ou que se perderam de mim, que não compreendi ou não me compreenderam, que não valorizei ou que não me valorizaram…
...perdido, procuro o norte no sul…nem sei se será melhor continuar a deixar que me encontrem, se será melhor continuar a procurar algo que cada vez parece mais utópico ou, simplesmente, deixar de o fazer…
…ou, perdido, nem sei que procuro, afinal…

(…)

…almoço de feijoada completa no simpático boteco da Tia Graça colado à Marginal EPTG e às quadras Lúcio Costa no Guará, de que tornei fã…dose repetida, com Coca-Cola gelada e cafézinho no final…serve de combustível para a caminhada até à estação do metro, ainda distante… quase no meio do nada…de arquitectura moderna, como o metro…apesar de tudo, parece uma obra perpétuamente adiada e inacabada…quase um patinho feio das construções de modernidade da Capital da Esperança…
…saio na estação Central, em plena Plataforma Rodoviária, cheia de movimento…já “visitei” quase todos locais mais iconográficos de BSB…hoje vou fazer pela Asa Sul o que já fiz ontem pela Asa Norte…apenas deambular como já fiz noutros dias, em diferentes trajectos... “degustar” com todos os meus sentidos o que a cidade e a sua paisagem urbana e humana me revelam, me fazem apreender…que é mais valioso, muitas das vezes, que tudo o mais que consta dos habituais roteiros turísticos…

(…)

…está a cair uma chuva miudinha…estatisticamente, praticamente não chove nesta época na região de Brasília, nem chove muito mais nos restantes meses do ano…durante o dia o céu esteve azul-claro, belo como sempre, mas com algumas grandes nuvens brancas espalhadas um pouco por todo o horizonte, que se foram juntando e acinzentando enquanto o sol se ia deitando no horizonte… a temperatura roçou os 23 graus, baixou para os 14 à noite, o que para a maioria dos brasilienses é quase equivalente a uma temperatura de frente polar…
…são quase duas da manhã…desço até à portaria, cuidadosamente pela escada de pedra, com uma caneca de café quente numa mão e um maço de Free e um isqueiro num bolso dos calções…cá fora, e protegido da gotas que tombam, sento-me num dos bancos de jardim de ripas longas de madeira, cravados com longos parafusos no chão de mármore da área do condomínio cercado de gradeamento (como é usual aqui)…
…sopro uma fumaça comprida para o ar, sinto um soprozinho de brisa nas pernas nuas, aqueço o peito com um trago longo de café…há poucos minutos, ouvi o acelerar de automóveis a rasgar o ar a alguma velocidade…depois algumas sirenes…agora, um helicóptero desenha largas curvas no ar, varre as redondezas, com um foco de luz branca, um ciclópico olho brilhante, esquadrinhando o solo…coloco os óculos que mitiga a miopia e vejo-o a apreciável distância por uns minutos... sem lhe distinguir qualquer identificação, penso que seja policial…depois voa para oeste, na direcção de Taguatinga ou talvez Ceilândia, até apenas lhe ficar a ouvir o seu rotor em surdina, ecoando grave na escuridão nocturna… esta tarde, no Sector de Radio e Televisão Sul (como já tinha visto no Parque da Cidade), observei a dança aérea dos alguns carcarás, também em voltas largas lá no alto, planando...numa similar coreografia a esta máquina voadora…talvez ambos à procura de lixo, cada um do seu tipo e cada um à sua maneira…

(…)

…o táxi imobiliza-se junto a mim, após se ter aproximado hesitante e eu lhe ter acenado…confirmo a identificação do condutor, a quem tinha ligado, depois de achar um cartão de contacto profissional no apartamento de que acabei de sair…coloco a mala na bagageira e entro com uma mochila cinzenta ao ombro…
…”para o aeroporto, por favor”… verifico as horas…desencontros de ultima hora fazem com que siga um bocado à queima para fazer o check-in…no entanto, como espero não apanhar trânsito lento, até porque estamos a meio da tarde, acho que a cerca de meia-dúzia de quilómetros de distância até lá serão feitos sem sobressaltos e em tempo útil…
…assim acontece, a velocidade regular, com aquele tipo de condução que já me habituei em Brasilia…velocidade mais ou menos regrada, poucos sinais de mudança de direcção, alternamento de faixas em ritmo seguro apesar disso… quer nas vias rápidas, quer no trânsito da cidade, quase não me lembro de ouvir buzinar, o que é verdadeiramente impressionante… e, pode ter sido casualidade, mas também não vi um único acidente de trânsito em mais de duas semanas no DF…e os automobilistas na cidade, por norma, param nas passagens de peões, se vislumbram alguém perto delas…aliás, um exemplo da educação polida dos brasilienses que registei quase sempre…  
…meio de Julho…
…pelo caminho de despedida, lembro com nostalgia os ipês que começaram a florir…
…e já lá no alto, com o olhar debruçado pela vigia do avião, vou vendo, aqui e ali, vestígios daquela terra vermelha…e olhando aquele céu brilhante de azul-claro…


JP ®

 
JP ®


Legião Urbana - ''Faroeste Caboclo'' (unplugged)

Sem comentários:

Enviar um comentário