JP ®
…um céu amplo e
brilhante de azul-claro, mesmo quando polvilhado de nuvens brancas…
…e a terra vermelha…
…foi este primeiro
contraste que mais me deve ter atraído depois de uns dias em Brasília…
…é uma sensação nova
e diferente conhecer uma cidade jovem, com pouco mais de 55 anos, construída de
raiz em pleno cerrado brasileiro, a maior cidade do mundo edificada após o
inicio do século XX…por acaso do destino (… ou não, vá-se lá saber…) oficialmente
inaugurada na mesma data da fundação da Roma antiga…
…o planeamento
ordenado , quase higiénico, do chamado “Plano Piloto” (PP) da capital chega a
ser desconcertante de tão diferente, em tantos aspectos, de tudo aquilo que
conheço em terras de Vera Cruz, mesmo que não conheça nada de São Paulo para
sul…
…mas basta ter
assentado no bairro do Guará (já fora dos limites do PP) como local de estadia
por cerca de duas semanas, para ver, sentir de novo o “verdadeiro” Brasil e
acreditar que Brasília acaba por ser, de certa forma, uma “mentira” apoiada na
construção de um magnifico projecto urbano se comparada com o que é realmente a
maioria do resto do país…ou como alguns dos seus maiores críticos consideram
“fantasia platónica modernista sobre o futuro”…
(…)
…Brasília é única…compartimentada…desenhada para atingir a perfeição de um qualquer
arquétipo de metrópole moderna do seu tempo…e em certo(s) aspecto(s) conseguiu
e mantém esse desiderato…
…a primeira
exploração que faço do seu centro é durante o fim-de-semana…a pé que a cidade é
praticamente plana… e deserta… comparada com os restantes dias da semana, andar
em grande parte da cidade (onde se situam a maioria dos serviços
governamentais, bancos, hotéis, etc) pode equiparar-se a vaguear numa urbe
fantasma…perfeita e intacta, mas vazia de gente…cruzo-me algumas vezes com
aqueles que, durante a semana e nos mesmos lugares que trilhei, permaneceram
invisíveis: os sem-abrigo…
…um com um carro de
supermercado cheio de pertences que não consigo identificar ao certo, sobe
lentamente uma ladeira alcatroada…eu venho em sentido contrário, descendo, do
outro lado da via…no meio do emaranhado da farta cabeleira grisalha, onde
distingo uma face escura, curtida do sol, ouço-lhe sair uma ladaínha repetida
em frases curtas…não entendo o que diz…
…a meio do dia, na
zona do sector hoteleiro sul, um outro está acocorado debaixo de uma sacada alta
de mármore de um edifício…passo na frente dele e ele chama-me da sombra…“Senhor”…pede-me um
cigarro…faço-lhe sinal para se aproximar…levanta-se devagar, deixando atrás uma
garrafa de cerveja e um pão que vejo assomar na boca de saco pardo que ficou no
chão…atravessa um pedaço relvado e estico-lhe três cigarros…olha algo surpreso
para a minha mão estendida…recolhe-os e murmura algo num aceno de
agradecimento, olhos em mim e retorna para o seu refúgio…veste um casaco
cinzento, que já pareceu ser de bom corte, sob uma t-shirt de cor indefinida…
com calções de ganga nas pernas morenas e pés descalços…
…mais tarde, ao
meter-me por uma via que desembocava num imenso muro de grossas tábuas de madeira, impedindo
qualquer tipo de passagem devido a obras no local, cruzo-me com outro, a julgar
pela mochila com parcos pertences encostada na parede…não deve ter mais que
15/16 anos, alto e espigadote, cabelo preto, curto e crespo…espera potenciais
automóveis que venham ali estacionar, nos lugares ainda vagos da rua….jornal
enrolado na mão para a sinalização do “destroçe-destroçe”… certos “instrumentos
de trabalho” parecem universais… “Oh tio…cigarrinho,
por favor…?” …pois…aqui para os mais novos sou tio…estendo-lhe um e pede-me
lume…olho o maço e restam quatro…pergunto-lhe onde poderei comprar
tabaco…olha-me confuso…eu já sei que, geralmente, com os brasileiros tenho que
fazer por falar com vogais abertas e mais articulado do que costume, porque
senão raramente me entendem…mas aqui era o “tabaco” que causava estranheza…
“cigarros…”, precisei sacudindo a caixa de Camel europeu… indica-me as lojas do
terminal rodoviário umas centenas de metros abaixo do local onde estamos…agradeço
a indicação e dou-lhe o maço… “…oh, obrigado, tio…viu?...obrigado”…estica-me um
enfático “thumb-up”…
(…)
…entre o meio-dia e a
uma da tarde…céu limpo, devem estar uns 25/26 graus…e eu no meio da quadra do
sector hoteleiro sul…inevitavelmente, acabo por ir almoçar acompanhado a uma
“instituição” do modo de viver do brasileiro em qualquer ponto do país, mesmo
do mundo: o “shopping”…
…o sector de
restauração, no ultimo piso daquele espaço, é variado e até se come bem…mas,
pagando a refeição, tenho a primeira prova “in loco” do que já vinha avisado,
mas nunca pensei que fosse tão acentuado…o custo de vida em Brasília é
alto…talvez porque os salários de grande parte dos habitantes da capital,
funcionários de qualquer forma ligados a organismos governamentais também seja
bastante elevado relativamente à media nacional…e, no entanto, o Distrito
Federal (DF) consta que é a região brasileira onde existe desigualdade salarial
e social…
…depois de tomar um
café, desço três ou quarto pisos do centro comercial por sucessivas escadas
rolantes e escadas…os varandins circulares com vista para a praça principal do
shopping center em baixo, polvilhada de esplanadas, estão “entaipadas” em toda a volta
com placas de acrílico transparente…explicam-se que é para evitar os suicídios…parece
que, principalmente, durante os fins-de-semana, era habitual acontecerem dois
ou três… principalmente jovens que se lançavam em voo livre e fatal dos últimos
dois pisos para o piso térreo…fico a cismar um pouco, ainda meio incrédulo…o
suicídio até o posso entender…de um modo abstracto…pode ser tanto uma acto de
cobardia, como de coragem, em simultâneo, depende do prisma que se olhar… não entendo é este prazer final que alguém pode ter
em querer partilhar o seu fim com pessoas que pacatamente vão dar uma inocente
volta, muitas vezes em família, a ver as montras ou a comer um gelado…e pelos
vistos quase que chegou a ser moda…enfim…
(…)
…29 de
Junho…curiosamente, é apenas a segunda vez que passo o meu dia de aniversário
fora de Portugal…hoje aqui e dezasseis anos depois…anteriormente, foi em Macau,
noutro hemisfério e do outro lado do mundo, quase a 18000 quilómetros de
distância…tantas diferenças em tudo à minha volta…eu sou o mesmo, mais velho,
talvez ainda não muito mais sábio…ou talvez, sim embora devesse e pudesse ser
mais…mas aprender é algo que espero que venha a acontecer sempre até morrer…
…acordei cedo hoje…não olho
as horas mas pressinto que está prestes a amanhecer porque ouço os primeiros trinados das
pequenas aves mais madrugadoras…fico imóvel, deitado no sommier, a olhar a claridade
que se vai anunciando pela janela do quarto…
…recordo-me que na antiga Cidade do
Santo Nome de Deus de Macau, completei o 32º ano desta minha existência quase
sem dar por isso…porque nunca foi de festejar muito o meu aniversário…..e
também porque o ali fuso horário é cinco ou seis horas mais adiantado em
relação à minha Lisboa…ou seja, em Portugal ainda seria o dia anterior….de
qualquer modo, a minha filipina querida encarregou-se de não me fazer esquecer
desse aniversário para o resto da vida…
…num bar da ilha da
Taipa de que ela era gerente…havia alguma algazarra dos empregados britânicos
do jóquei-club e das suas muito jovens
“amigas” tailandesas e algumas “bifas” expatriadas mais velhas, na pequena pista dançante do recinto cheio de
povo a dançar velhos clássicos que debitavam das colunas lá no alto…apesar de
terça-feira (dia habitualmente mais calmo), era dia de folga para muitos…e
tenho ideia de que também havia, curiosamente, uma festa de anos a decorrer…eu
estava no piso superior, um espaço relativamente pequeno, quase colado ao tecto,
com duas ou três mesas baixas de madeira pintada de negro, com pequenos bancos
cúbicos da mesma cor, uma tv num canto sintonizado num qualquer canal MTV
chinês e um sofá corrido em L a cobrir quase toda a parede, onde só e sentado,
lia uma edição atrasada do jornal “A Bola”, que nem me recordo onde fui
desencantar naquela parte do mundo… pouco depois da meia-noite, a Aida subiu a
escada em caracol, os tacões dos sapatos altos a trepidar no metal da
mesma…trazia uma bandeja, com um cupcake multicolor com uma vela acesa no topo,
uma garrafa de vinho do Porto e dois cálices…traz uma saia comprida e de tecido
leve…e raramente a vi de saia…com olhar meigo dela, senta-se junto a mim e
canta-me um “Happy Birthday to You” ao ouvido (porque a festa lá em baixo já
vai num ruidoso “karaoke” improvisado com musicas da juke-box) , sussurrado no
seu inglês de sotaque oriental…sopro a vela, ela bate as palmas com as mãos
junto ao peito, beija-me longamente e deseja-me longos anos de prosperidade e
saúde…lembro-me de pensar então que, mesmo sabendo os dois que a nossa relação
era a termo certo, aquela mulher realmente mostrava quanto podia e sabia amar
um homem…
…depois espreitou
para baixo (as tailandesas a “cantarem” esganiçadas e os bifes cada vez mais
carregados de bebida) e para a escadaria de ferro por onde subira… fixou os
olhos nos meus, com um sorriso meio escondido… …”and now, your b-day gift”…e
colocou o seu dedo indicador nos meus lábios, pedindo silêncio…soltou-me o
cinto e tudo o resto a seguir, subiu para o meu colo de frente para mim e
fiquei então a saber (durante alguns deliciosos minutos) a razão pela qual ela
trazia aquela saia… ironicamente, cantavam o “You Can Leave Your Hat On”…
…regresso com o
pensamento a hoje...Brasília-DF, bairro do Guará…já amanheceu e distingo uma
nesga do azul do céu por entre os cortinados…deitado como eu, entre mim e a
janela, um corpo maduro e curvilíneo roda o tronco, e a cabeça numa farta
cabeleira loira, na minha direcção…sinto os seios encostados do lado direito
do meu peito…uns felinos olhos castanhos, desenham um sorriso largo no rosto… que
me saúda com uma voz ainda rouca de sono e um beijo nos lábios…”bom-dia….feliz
aniversário, Pedrinho”... ok…não foi bem a mesma coisa…mas todos os
aniversários, sendo iguais, acabam por ser diferentes, né…?
(…)
…certas metrópoles
têm icones que são quase que omnipresentes na sua paisagem…o Cristo Redentor no
Rio de Janeiro, a Torre Eiffel em Paris, as Petronas Twin Towers em Kuala
Lumpur….como eram também as torres do WTC, em New York…Brasília tem a Torre da
TV…que não sendo extraordinariamente alta (quase 245 metros), atendendo à
topografia da cidade e ao local onde foi construída praticamente é visível de
todo o PP…e de lá, obviamente, praticamente toda a zona do DF é avistável…nomeadamente,
um enorme elefante-branco chamado Estádio Nacional Mané Garrincha, um grande
estádio de futebol de uma cidade que nem tem qualquer clube de expressão e
arena multiuso que, ao que parece, não tem quase nenhum uso… um custo de
construção de 1,7 biliões de reais e custos médios de manutenção (que, a olho
nú, não parece que exista muita) na ordem dos 600 mil reais por mês, digamos
que dizer que são números obscenos em qualquer parte do mundo…e tendo em conta
a realidade essencialmente sócio-económica do Brasil que conheço, “obsceno”
acaba, ainda assim, por ser uma palavra pouco forte…
…talvez por e devido
a situações destas e similares, a contestação aos governantes, seja qual for a
cor que esteja no poder, é uma presença quase sempre constante, em
manifestações ou acampamentos de protesto, nomeadamente em frente do
edifício-sede do Congresso Nacional e/ou em plena Praça dos Três Poderes…e
embora me lembre, ao longo dos anos e à distância das noticias em Portugal, de várias eventos de contestação e protesto no Brasil, senti
de perto andando pelo meio de algum povo ali estacionado e também pelo que ouvi
principalmente na televisão que o PT e os seus governantes se lambuzaram “à
grande e à francesa” nos vários sectores dos poderes politico e financeiro…
…e, no entanto,
também me deu a parecer que muitos brasileiros já esqueceram que outros
políticos de cor diferente que fizeram “tropelias” do género (...verdade que,
visto de fora e numa análise calculada, não tão escandalosa…) e ainda, mais
grave que isso, outros tantos esqueceram que, em liberdade, podem protestar, contestar,
opinar….algo que não podiam fazer (sem risco) na ditadura militar de algumas
décadas atrás… a memória dos homens é curta em qualquer latitude do mundo…
(…)
…putz…devo estar
passado da cabeça…mesmo…é de madrugada para mim numa situação normal de férias
e descanso…são oito e meia da manhã…já me levantei há cerca de uma hora e meia
antes, para ir caminhar num parque de um bairro nos arredores do centro de
Brasília…convenceram-me a isso…sem muito esforço, diga-se…também fiz por ser
assim…é a terceira vez que estou aqui, neste mesmo local a fazer o que fazer
agora…t-shirt, calcão longo e ténis que podiam ser mais adequados, mas os Umbro
Urban que tenho calçados servem… não sei que distância percorri de cada vez que
segui o mesmo percurso “programado”…curiosamente, para quem fuma, em média, um
maço de cigarros por dia e para quem nos últimos meses tem sido bastante
sedentário em comparação com grande parte da sua vida, fico surpreendido como consigo
fazer a caminhada com um ritmo apreciável e certo, até arriscando um bocado de
corrida leve e chegar ao final até muito bem, bem longe de estar com os bofes
de fora… o facto de ir bem acompanhado ajudou e a paisagem em redor, humana
inclusive, também… o parque urbano é agradável, grande, muito verde, bons trilhos asfaltados para caminhantes/corredores ou ciclistas, interpolado com bebedouros
públicos, zona com parques de jogos e outras actividades…muita gente (muita
mesmo) de várias idades, uns mais light, outros verdadeiros fanáticos aplicados
de jogging e afins…é um lugar até bem policiado para um simples parque de actividades
lúdicas… constato, como já sabia antes de experiências in loco, que esta
prática saudável é, há muito tempo, muito comum deste lado do Atlântico… e muito transversal e homogénea… há os mais comprometidos com um treino rigoroso, os
mais descontraídos e os mais "distraídos" também (que vão ver as "vistas", mais do que
correr), os mais velhos que teimam em manter uma forma física e um desembaraço
de movimentos admirável…há quem vá conversando com o parceiro se o tiver, quem
vá ouvindo os passarinhos no trajecto, quem vá no seu mundo com uns phones com
musica vibrando nos ouvidos…e há quem leve os cães para caminhar/correr também…ou
simplesmente passeá-los por ali…em certas zonas do parque, há várias extensões largas
de relvado com algumas árvores espalhadas em volta, onde os bichos podem
correr, ladrar, esfregar-se com prazer no chão, interagir, de várias
formas, uns com os outros (assim como os respectivos donos o fazem entre si)… e fazem
também outras actividades (em estado líquido ou sólido) quando a natureza os
chama a isso…no entanto, a maioria de quem os acompanha é diligentemente
higiénico e é raro ser confrontado com algum “presente” no chão…
…é interessante e
curioso este segmento militante dos donos dos cães…trocam muitas experiências e
informações entre si, comentam as proezas e as “asneiras”das suas mascotes,
etc… observei aqui e noutros pontos da cidade, que tem o hábito muito peculiar
de vestir ou travestir os animais e/ou torná-los aproximados à sua imagem…acho
que o caso que mais me impressionou foi de um negro que tinha uma jovem cadela
negra…longa de pernas altas e esguia de corpo como ele…simpática, brincalhona e afável como o
seu dono…e como o seu dono, tinha um piercing no nariz, outro no sobrolho e dois
brilhantes incrustados nas grandes orelhas a servir de brincos… eu nem
perguntei como e quando o pobre animal foi sujeito a tal atrocidade, mesmo que
aparentemente não lhe parecesse fazer grande “confusão”…o certo é que o grupo
(donos com os respectivos pets) do qual eu estava junto, encontravam-se quase extasiados (“Que gracinha!
Que máximo! Que bacana”) com aquilo… perante a aprovação geral e o meu
silêncio, alguém me olhou como se procurasse sondar opinião… olhei a cadelita
sorridente na minha frente e para o negão orgulhoso do lado dela…
...“Bárbaro…!” – acenei
com a cabeça…
…logo surgem sinais de
concordância em meu redor…”É mesmo…! Super…! Mara(vilha)…!
…acho que lhes
escapou, e muito, a ironia do meu comentário…
(…)
…final de noite…na pequena casa-de-banho, o
espelho grande sob o lavatório reflecte a minha imagem saído de um duche
fresco… deslizo a toalha pelo tronco…estou queimado do sol no rosto e nos
braços…dá-me um “bronzeado de camionista” marcado pelas t-shirts…algo um pouco
hilariante…seco o corpo a caminho de me sentar no sofá, chinelando pela
saleta…ao meu lado, parece nem darem por mim…tic,tic,tic, teclando no whastapp,
toc, toc, toc, mais um like no facebook…na tv passa uma
novela…pergunto se posso mudar de canal…olhos no telemóvel, ou melhor, no celular
smart-phone (rs), nem quase me ouvem…repito a pergunta…três segundos de olhos
em mim, um sorriso, “sim, sim, pode, com certeza…” e lá voltamos ao tic, tic,
tic, toc, toc, toc…
…vou zappando os canais
e fico pelos canais de informação…nos dias que tenho visto alguns deles,
nacionais ou locais, os grandes focos de noticias passam por uma grande
operação policial e judiciária que envolve praticamente meio mundo do governo
em grande esquemas de corrupção em larga escala, a hipótese de um “impeachment”
presidencial também derivado desta situação e a discussão sobre a redução da
maioridade penal para (pelo que entendi) os 14 anos de idade…independentemente
da posição que cada cidadão pode e deve ter sobre cada um destes temas, o que
me faz confusão são os jornalistas brasileiros (na televisão, que não li
jornais, nem ouvi noticias na rádio) na sua generalidade…seja sobre estes ou seja
sobre outros casos do quotidiano que sejam noticiados, desde as oscilações do
preço da batata-doce ao decote de um vestido que uma actriz famosa levou numa
cerimónia qualquer, desde a colacação de uma determinada placa de sinalização num
qualquer local ao uso de açúcar versus adoçante no café, os pivots e outros
apresentadores e os repórteres de exterior, não informam, mas debitam ferozes
opiniões e estados de alma declarados….se complementam uma noticia com um
comentário ou citação de um protagonista ou interveniente na mesma, quase
sempre não resistem a meter uma colherada dissertando sobre o que foi
mencionado…se o Marinho Pinto (palrando estupidamente como é seu hábito,
verdade seja dita) apelidou o Jornal de Sexta da TVI com a Manuela Moura
Guedes de “jornalismo travestido”, decerto que a consideraria o ultimo paradigma de isenção
jornalística se estivesse por aqui…
…o tic, tic, tic,
toc, toc, toc continua ao meu lado…bocejo, levanto-me, lavo os dentes e vou dormir…
(…)
…está um luar
daqueles...enorme…e lua parece maior ainda quando reflectida e espalhada nas águas no
Lago Paranoá…estou no Pontão do Lago Sul…lugar lindo, fresco e verde…bares, restaurantes,
musica ao vivo…gente bonita na noite…de um dos lados observo as luzes dos
faróis dos automóveis que atravessam a Ponte JK com os seus três arcos desencontrados…caminho
ao longo da margem, desmoendo um jantar que, agradável que fosse, me causou uma
reacção ainda entre a gargalhada e a leve indignação, quando a conta veio e incluía
um item designado “couvert musical”, ou seja, a conta incluía a musica ambiente
que estava a ser passada pelo um DJ (…certamente um CD que rodava sozinho...)…nunca vi tal coisa no mundo, só podia ser com este povo...nem
tinha reparado e até me sugeriram que mandasse tirar tal parte do total a pagar…mas
optei por ouvir o desassombro meio embrulhado do garçon a quem pedi explicações…sorri
de volta com algum sarcasmo e deixei que “dessem musica” duas vezes…bem (suspiro fundo) que se foda…estou
de férias e não me vou chatear com cretinos…
...apesar da
claridade lunar, consigo distinguir umas estrelas no céu imenso, quando passo
num espaço relvado, em que o baixo casario em volta, oculta a lua que vai descendo
lentamente no horizonte…
...olho para cima e procuro no brilho do céu a Ursa Maior…
…e então, neste acto de busca, apercebo-me, com
grande ironia, quanto estou "perdido"…
…vou abraçado em
silêncio, mão-na-mão, com um dos maiores e mais “perfeitos” equívocos que me
aconteceu na vida…
…e procuro um "meu" ponto
de referência errado no Cruzeiro do Sul, quando ele aí não existe e está no extremo
oposto em termos de hemisfério… provavelmente, ando a procurar algo nos locais
errados… e para além de perdido, parece que procuro algo para compensar perdas…e
perdas foi algo que me aconteceu em catadupa nos últimos tempos…de todo o tipo, materiais e emocionais... algumas perdas
fizeram-me fazer descobrir mais algo de mim… fizeram-me descobrir que não tenho "jeito" algum para ser orfão de pai, por exemplo, porque ele me faz falta e ainda há
tão pouco tempo partiu… descobrir que sinto a falta de dois seres, ditos irracionais
pela maioria dos chamados seres pensantes que vegetam em meu redor, como foram o
Joly e o Luffy na minha vida, que igualmente perdi para sempre… descobrir que
sinto a falta de tudo de bom que tive na minha vida...pessoas e afectos, amigos e amores que perdi ou que se
perderam de mim, que não compreendi ou não me compreenderam, que não valorizei
ou que não me valorizaram…
...perdido, procuro o
norte no sul…nem sei se será melhor continuar a deixar que me encontrem, se
será melhor continuar a procurar algo que cada vez parece mais utópico ou,
simplesmente, deixar de o fazer…
…ou, perdido, nem sei
que procuro, afinal…
(…)
…almoço de feijoada completa
no simpático boteco da Tia Graça colado à Marginal EPTG e às quadras Lúcio Costa no Guará, de que tornei fã…dose
repetida, com Coca-Cola gelada e cafézinho no final…serve de combustível para a
caminhada até à estação do metro, ainda distante… quase no meio do nada…de
arquitectura moderna, como o metro…apesar de tudo, parece uma obra
perpétuamente adiada e inacabada…quase um patinho feio das construções de modernidade da
Capital da Esperança…
…saio na estação
Central, em plena Plataforma Rodoviária, cheia de movimento…já “visitei” quase
todos locais mais iconográficos de BSB…hoje vou fazer pela Asa Sul o que já fiz
ontem pela Asa Norte…apenas deambular como já fiz noutros dias, em diferentes
trajectos... “degustar” com todos os meus sentidos o que a cidade e a sua
paisagem urbana e humana me revelam, me fazem apreender…que é mais valioso, muitas das vezes, que tudo o mais que consta dos habituais roteiros turísticos…
(…)
…está a cair uma chuva
miudinha…estatisticamente, praticamente não chove nesta época na região de
Brasília, nem chove muito mais nos restantes meses do ano…durante o dia o céu
esteve azul-claro, belo como sempre, mas com algumas grandes nuvens brancas
espalhadas um pouco por todo o horizonte, que se foram juntando e acinzentando enquanto o sol se ia deitando no horizonte… a temperatura roçou os 23 graus, baixou para os 14 à noite, o que
para a maioria dos brasilienses é quase equivalente a uma temperatura de frente
polar…
…são quase duas da
manhã…desço até à portaria, cuidadosamente pela escada de pedra, com uma caneca de café quente
numa mão e um maço de Free e um isqueiro num bolso dos calções…cá fora, e protegido da gotas que tombam, sento-me num dos bancos de jardim de ripas longas de madeira, cravados
com longos parafusos no chão de mármore da área do condomínio cercado de gradeamento (como é usual aqui)…
…sopro uma fumaça
comprida para o ar, sinto um soprozinho de brisa nas pernas nuas, aqueço o
peito com um trago longo de café…há poucos minutos, ouvi o acelerar de automóveis a rasgar o ar a alguma velocidade…depois algumas sirenes…agora, um helicóptero desenha
largas curvas no ar, varre as redondezas, com um foco de luz branca, um ciclópico olho
brilhante, esquadrinhando o solo…coloco os óculos que mitiga a miopia e vejo-o a apreciável distância por uns minutos... sem lhe distinguir
qualquer identificação, penso que seja policial…depois voa para oeste, na direcção
de Taguatinga ou talvez Ceilândia, até apenas lhe ficar a ouvir o seu rotor em
surdina, ecoando grave na escuridão nocturna… esta tarde, no Sector de Radio e
Televisão Sul (como já tinha visto no Parque da Cidade), observei a dança aérea
dos alguns carcarás, também em voltas largas lá no alto, planando...numa
similar coreografia a esta máquina voadora…talvez ambos à procura de lixo, cada
um do seu tipo e cada um à sua maneira…
(…)
…o táxi imobiliza-se junto a
mim, após se ter aproximado hesitante e eu lhe ter acenado…confirmo a
identificação do condutor, a quem tinha ligado, depois de achar um cartão de
contacto profissional no apartamento de que acabei de sair…coloco a mala na
bagageira e entro com uma mochila cinzenta ao ombro…
…”para o aeroporto,
por favor”… verifico as horas…desencontros de ultima hora fazem com que siga um
bocado à queima para fazer o check-in…no entanto, como espero não apanhar
trânsito lento, até porque estamos a meio da tarde, acho que a cerca de
meia-dúzia de quilómetros de distância até lá serão feitos sem sobressaltos e
em tempo útil…
…assim acontece, a
velocidade regular, com aquele tipo de condução que já me habituei em Brasilia…velocidade
mais ou menos regrada, poucos sinais de mudança de direcção, alternamento de
faixas em ritmo seguro apesar disso… quer nas vias rápidas, quer no trânsito da
cidade, quase não me lembro de ouvir buzinar, o que é verdadeiramente
impressionante… e, pode ter sido casualidade, mas também não vi um único
acidente de trânsito em mais de duas semanas no DF…e os automobilistas na
cidade, por norma, param nas passagens de peões, se vislumbram alguém perto
delas…aliás, um exemplo da educação polida dos brasilienses que registei quase
sempre…
…meio de Julho…
…pelo caminho de
despedida, lembro com nostalgia os ipês que começaram a florir…
…e já lá no alto, com
o olhar debruçado pela vigia do avião, vou vendo, aqui e ali, vestígios daquela
terra vermelha…e olhando aquele céu brilhante de azul-claro…
JP ®
JP ®
Legião Urbana - ''Faroeste Caboclo'' (unplugged)
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