…os pés descalços apoiados na frescura do muro caiado de
branco…
…as nuvens brancas a desenhar castelos no azul-claro do céu…
…a relva ainda orvalhada da manhã faz-me cócegas nas costas
nuas, peito aberto voltado para o sol que me aquece a face…
…um vento leve provoca um suave arrepiar de pele, ouço-o acariciar
os ramos pendentes dos salgueiros perto de mim…
…abro os olhos e deixo-os pousados na sombra que me cobre
agora o rosto… sombra das páginas do livro, cheias, brilhantes de uma estória
comovente, linda com palavras simples, que releio amiúde…
“O gato grande, preto e gordo
estava a apanhar sol na varanda, ronronando e meditando acerca de como se
estava bem ali, recebendo os cálidos raios de barriga para cima, com as quatro
patas muito encolhidas e o rabo estendido.
No
preciso momento em que rodava preguiçosamente o corpo para que o sol lhe
aquecesse o lombo ouviu um zumbido provocado por um objecto voador que não foi
capaz de identificar e que se aproximava a grande velocidade. Atento, deu um
salto, pôs-se de pé nas quatro patas e mal conseguiu atirar-se para o lado para
se esquivar à gaivota que caiu na varanda.” *
…também quando eu agora rodo “preguiçosamente o corpo”, um
outro gato “aterra” junto de mim…
…com as patas quase flutuando na erva, o Faísca vai cabeceando-me
suavemente as mãos, procurando as festas de que tanto gosta…
…refastela-se ao meu lado, barriga para o ar, afago-lhe o
pelo sedoso, malhado de cinza e branco e o topo de cabeça, entre as orelhas
espetadas, o que sempre lhe dá um prazer especial…
…deito-me de bruços, reiniciando o deleite da leitura e o
bichano começa a dormitar, esticado no chão verde, pontilhado de pequeninos
malmequeres brancos…
…balanço os pés descalços, as nuvens lá em cima vão-se espalhando
como fiapos de linho, a brisa continua agradável e a relva fresca…
…um momento não é tudo… mas existem coisas simples na vida
que são tudo num só momento…
* Excerto do livro “História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar”, de Luis
Sepúlveda
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