…um frio de cinco graus na noite da véspera de
sexta-feira santa e eu a ferver por dentro…
…encostado contra a tijoleira da parede de um bar-club
meio manhoso perdido no meio de Highbury …manhoso, mas com uma boa banda ao
vivo, pelo menos pareceu-me depois das primeiras 3 ou 4 cervejas, com um shot
de Jack Daniels, pelo meio…
…vou abanando a cabeça, no mesmo ritmo compassado do som
da bateria que se junta ao imenso som que enche a sala, pequena para os
decibéis debitados pelo PA no palco tacanho…
…guitarra, baixo e “drums”, trio clássico de uns tipos simpáticos
e esforçados, que já tinham debitado para o povo clássicos dos Kinks, The
Clash, Cream e Eric Clapton, Dire Straits, Beatles (do álbum Branco…), e até George Thorogood (banda sonora perfeita
para o ambiente envolvente)…
…e a Sharon rebola na minha direcção com mais um pint de
Guiness em cada mão, ao som da batida…
…larga as duas na mesa de pé alto e tasca-me um beijo
longo, esmagando o seu peito generoso contra o meu… loira de cabelo liso e curto, pele branquinha
e olho azul, divorciada e independente (muito), bem solta para uma britânica a
rondar os 30…praticamente mais dez anos que um puto como eu… e agora já imaginam
porque disse que estava a “ferver” apesar do fresquinho londrino…
…conheciamo-nos há quatro dias e parecemos lapas… descobrimos afinidades, para além e antes da
cama, apesar de evidente diferença de idades e vivências …late brunchs, museus, exposições e algum passeio ou "shopping around" até ao fim da tarde, jantar quando nos apetece, umas voltinhas à
noite e muito sexo até começar a quase raiar o dia…
…dois encores e meia hora mais tarde, os últimos clientes
deslizam até ao balcão para a final round antes do fecho e nós dois deslizamos para
dentro do nevoeiro lá fora, enrolados um no outro…
…passados cinco minutos, chega um táxi que ela já tinha
chamado antes de sairmos (está alegremente zonza, mas não bebeu o juízo, a
mulher…)
…arrasta-me para o carro, enquanto solta um “good night”
e indica o destino da corrida ao cabbie, um gordinho sisudo e de bigode
grisalho…
…arrancamos para sul, para a outra margem do Tamisa, num ritmo certo e dentro dos
limites de velocidade, distinta da voragem das línguas e dos toques íntimos que
vamos trocando no banco de trás, com a Sharon praticamente sentada nas minhas
pernas, perante a aparente indiferença de quem nos guia pelas ruas já meio
desertas…
…as luzes no nosso trajecto adquirem um brilho mais forte
quando começamos a atravessar a London Bridge, passando sincopadamente,
iluminando as nossas sombras aquecidas pela paixão carnal…
“Love comes
quickly, whatever you do / You can't stop falling …Ooh …ooh…”
…a banda sonora da noite mudou agora…
se até há pouco tempo atrás estava a curtir rock e um pouco de blues, agora é
um pop electrónico suave, que sai da rádio sintonizada, que nos embala até casa
dela…
…suavemente, também, ela vai beijando o meu pescoço e
arranhando suavemente a minha barriga, onde as suas mãos já brincavam, descendo
pouco a pouco…
“You can live a life of luxury
If that's what you want
Taste forbidden pleasures
Whatever you want”
(…continua a música…)
…ela pressiona um pouco mais o corpo em cima de
mim, olha-me nos olhos, faiscando a claridade dos seus à medida que os
candeeiros se sucedem e rasga um sorriso matreiro, sentindo algo que a deixou
assim…
…a minha mão direita, tacteia
no interior da sua saia comprida, até
encontrar uma humidade quente que a faz engolir em seco… e devolvo-lhe o
sorriso, respondendo-me ela com um leve estremecimento e uma quase imperceptível
mordidela no ombro…
“Love comes
quickly, whatever you do / You can't stop falling …Ooh …ooh…” (vai
repetindo o refrão no éter)
…”We need to calm down,
love…” sopra-me no ouvido, enquando deixa escorregar as coxas grossas de cima do meu colo e se
senta ao meu lado direito, piscando o olho, indicando subliminarmente o taxista…
… enrosca-se a mim, dormitando e olho para a rua… poucos
minutos intensos passaram e apenas agora vamos a sair da London Bridge…
…cerro os olhos
e continuo a ouvir a melodia…
“You can fly away to the end of the world
But where does it get you to?
'Cause just when you least expect it
Just what you least expect”
“Cotton Row.”, anuncia o anafado condutor, passando algum
tempo, soltando-me do meu semi-torpor …
…largo as libras para pagar a corrida e saio estendendo a
mão para recolher a Sharon de encontro ao meu tronco…
… ladeamos os York Gardens, brincando e rindo baixinho, com
ela, atracada com os braços nas minhas ancas, aquecendo as mãos debaixo do meu
casacão negro, com a cabeça apoiada no meu ombro… (ela teria sensivelmente a
minha altura, mas com os seus saltos altos ficava mais alta do que eu…)
…no conforto cálido da sua casa, enrolados um no outro
durante a noite, cobrimos (uma vez mais) o leito de saliva e suor, numa noite
sem sono…
…sob a madrugada, com um robe cor-de-rosa felpudo da
Sharon vestido, fiz um tic-tac-toe pelos azulejos da cozinha, segurando um café
quente nas mãos e debrucei-me por uma janela da sala, olhando o rio…
…como muitas coincidências estranhas na minha vida, um piso
acima, a mesma musica que, horas antes, me tinha guiado até ali, soltou-se no ar
até chegar aos meus ouvidos…
“Sooner or later, this happens to everyone
/ To everyone
Love comes
quickly, whatever you do / You can't stop falling …Ooh …ooh…”
…sentido a falta do meu calor na cama, a loira
surpreendeu-me abraçando-me por trás e encostando os seios alvos nas minhas costas… “I
miss you”, sussurrou rouca de sono…
…como dizia a canção não era o amor que haveria de surgir mais tarde na minha vida (verdadeiro e como o entendo hoje...e, curiosamente, até a própria letra da música entendo-a hoje, naturalmente, de forma diferente), mas foi uma tremenda e intensa paixão que durou quase
duas semanas até terminarem as férias pascais…
JP ®
"Love Comes Quickly" - Pet Shop Boys