domingo, 18 de novembro de 2012

Memórias do século passado II - …love comes quickly… (London Bridge)

 

…um frio de cinco graus na noite da véspera de sexta-feira santa e eu a ferver por dentro…
…encostado contra a tijoleira da parede de um bar-club meio manhoso perdido no meio de Highbury …manhoso, mas com uma boa banda ao vivo, pelo menos pareceu-me depois das primeiras 3 ou 4 cervejas, com um shot de Jack Daniels, pelo meio…

…vou abanando a cabeça, no mesmo ritmo compassado do som da bateria que se junta ao imenso som que enche a sala, pequena para os decibéis debitados pelo PA no palco tacanho…

…guitarra, baixo e “drums”, trio clássico de uns tipos simpáticos e esforçados, que já tinham debitado para o povo clássicos dos Kinks, The Clash, Cream e Eric Clapton, Dire Straits, Beatles (do álbum Branco…),  e até George Thorogood (banda sonora perfeita para o ambiente envolvente)…
…e a Sharon rebola na minha direcção com mais um pint de Guiness em cada mão, ao som da batida…

…larga as duas na mesa de pé alto e tasca-me um beijo longo, esmagando o seu peito generoso contra o meu…  loira de cabelo liso e curto, pele branquinha e olho azul, divorciada e independente (muito), bem solta para uma britânica a rondar os 30…praticamente mais dez anos que um puto como eu… e agora já imaginam porque disse que estava a “ferver” apesar do fresquinho londrino…
…conheciamo-nos há quatro dias e parecemos lapas…  descobrimos afinidades, para além e antes da cama, apesar de evidente diferença de idades e vivências …late brunchs, museus, exposições e algum passeio ou "shopping around" até ao fim da tarde, jantar quando nos apetece, umas voltinhas à noite e muito sexo até começar a quase raiar o dia… 

…dois encores e meia hora mais tarde, os últimos clientes deslizam até ao balcão para a final round antes do fecho e nós dois deslizamos para dentro do nevoeiro lá fora, enrolados um no outro…
…passados cinco minutos, chega um táxi que ela já tinha chamado antes de sairmos (está alegremente zonza, mas não bebeu o juízo, a mulher…)

…arrasta-me para o carro, enquanto solta um “good night” e indica o destino da corrida ao cabbie, um gordinho sisudo e de bigode grisalho…
…arrancamos para sul, para a outra margem do Tamisa, num ritmo certo e dentro dos limites de velocidade, distinta da voragem das línguas e dos toques íntimos que vamos trocando no banco de trás, com a Sharon praticamente sentada nas minhas pernas, perante a aparente indiferença de quem nos guia pelas ruas já meio desertas…

…as luzes no nosso trajecto adquirem um brilho mais forte quando começamos a atravessar a London Bridge, passando sincopadamente, iluminando as nossas sombras aquecidas pela paixão carnal…  
“Love comes quickly, whatever you do  /  You can't stop falling …Ooh …ooh…”

 …a banda sonora da noite mudou agora… se até há pouco tempo atrás estava a curtir rock e um pouco de blues, agora é um pop electrónico suave, que sai da rádio sintonizada, que nos embala até casa dela…
…suavemente, também, ela vai beijando o meu pescoço e arranhando suavemente a minha barriga, onde as suas mãos já brincavam, descendo pouco a pouco…

“You can live a life of luxury
If that's what you want
Taste forbidden pleasures
Whatever you want”
(…continua a música…)

 …ela pressiona um pouco mais o corpo em cima de mim, olha-me nos olhos, faiscando a claridade dos seus à medida que os candeeiros se sucedem e rasga um sorriso matreiro, sentindo algo que a deixou assim…

…a minha mão direita, tacteia no interior da sua saia comprida,  até encontrar uma humidade quente que a faz engolir em seco… e devolvo-lhe o sorriso, respondendo-me ela com um leve estremecimento e uma quase imperceptível mordidela no ombro…
“Love comes quickly, whatever you do  /  You can't stop falling …Ooh …ooh…”   (vai repetindo o refrão no éter)

…”We need to calm down, love…” sopra-me no ouvido, enquando deixa escorregar as coxas grossas de cima do meu colo e se senta ao meu lado direito, piscando o olho, indicando subliminarmente o taxista…
… enrosca-se a mim, dormitando e olho para a rua… poucos minutos intensos passaram e apenas agora vamos a sair da London Bridge…

…cerro os olhos e continuo a ouvir a melodia…

“You can fly away to the end of the world
But where does it get you to?
'Cause just when you least expect it
Just what you least expect”

 “Cotton Row.”, anuncia o anafado condutor, passando algum tempo, soltando-me do meu semi-torpor …
…largo as libras para pagar a corrida e saio estendendo a mão para recolher a Sharon de encontro ao meu tronco…

… ladeamos os York Gardens, brincando e rindo baixinho, com ela, atracada com os braços nas minhas ancas, aquecendo as mãos debaixo do meu casacão negro, com a cabeça apoiada no meu ombro… (ela teria sensivelmente a minha altura, mas com os seus saltos altos ficava mais alta do que eu…)
…no conforto cálido da sua casa, enrolados um no outro durante a noite, cobrimos (uma vez mais) o leito de saliva e suor, numa noite sem sono…

…sob a madrugada, com um robe cor-de-rosa felpudo da Sharon vestido, fiz um tic-tac-toe pelos azulejos da cozinha, segurando um café quente nas mãos e debrucei-me por uma janela da sala, olhando o rio…
…como muitas coincidências estranhas na minha vida, um piso acima, a mesma musica que,  horas antes, me tinha guiado até ali, soltou-se no ar até chegar aos meus ouvidos…

“Sooner or later, this happens to everyone /  To everyone
Love comes quickly, whatever you do  /  You can't stop falling …Ooh …ooh…”                          

…sentido a falta do meu calor na cama, a loira surpreendeu-me abraçando-me por trás e  encostando os seios alvos nas minhas costas… “I miss you”, sussurrou rouca de sono…
…como dizia a canção não era o amor que haveria de surgir mais tarde na minha vida (verdadeiro e como o entendo hoje...e, curiosamente, até a própria letra da música entendo-a hoje, naturalmente, de forma diferente), mas foi uma tremenda e intensa paixão que durou quase duas semanas até terminarem as férias pascais…

JP ®


"Love Comes Quickly" - Pet Shop Boys





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