sexta-feira, 2 de novembro de 2012

…ping, ploc, ping, ploc, ploc, ping…




… as gotas grossas das primeiras chuvas outonais deslizam pelo verde esmeralda dos azulejos da parede e caem mornas, com estrondo surdo, no pavimento da varanda…

…ploc, ping, ping, ploc…

… três e meia da manhã e tu, como a chuva lá fora, vais batendo compassadamente na minha cabeça, prologando (inocentemente, sem o saberes) a minha insónia…

…ping, ploc, ploc, ping…

… a cama já me expulsou de cima dela, cansada do meu corpo às voltas, inquietando os lençóis e saturada dos meus suspiros pesados, soltos de dez em dez minutos, chamando o sono, sem sucesso…

… o sofá, companheiro e confidente de tantos pensamentos e sestas aleatórias, acolheu-me como quem dá abrigo a um velho amigo, meio perdido na noite, de quem já conhece o peso do corpo e da alma…

…ping, ping, ploc, ploc, ping, ploc…

… o riscar do fósforo ilumina por instantes a sala, mostrando-me com mais clareza a sombra do cinzeiro, com duas piriscas queimadas até ao filtro, já distinguido antes na escuridão, encostado ao resto (pouco) do Bushmills, que repousa dourado na garrafa na minha frente…

… os olhos ardem-me, mistura de falta de sono, do fumo da primeira baforada do Camel que acabei de acender e do leve toque de enxofre que ficou no ar… e, provavelmente, ardem-me também por outro motivo… mas esse fiz por deixá-lo a secar nas almofadas… lá atrás no quarto… onde pensei que te tinha deixado também… mas afinal vieste comigo… presa no pensamento…

…ping, ploc, ping, ploc, ploc, ping…

… derramo o resto da “agua da vida” na mesma caneca onde bebi o café depois de jantar… se é que uma sopa e um hamburger no pão se pode chamar isso…  mas o apetite, por qualquer coisa que seja,  também não dá para mais elaboração…

… “o último cigarro antes de dormir”, penso para comigo, enquanto o fumo sobe… treta… rs… daqui pouco, quase de certeza, que vou rebentar outro quase sem dar por isso…

… e a chuva continua lá fora… e cá dentro…

… ploc, ping, ploc, ploc, ping, ploc, ping, ping…

… a boca tem um sabor acre, igual ao da vida que faço por deixar deslizar no tempo…  em dormência sonâmbula e vazia… deixando os segundos, os minutos, as horas, os dias e as noites, os anos passarem devagar até tudo acabar de vez…

… ping, ploc, ploc, ping, ploc, ping, ping, ploc…

… e fico no meu canto a ouvir a chuva a cantar melancolicamente lá fora… até a ouço quando não chove, sabes ?… e tu continuas dentro de mim…

… ploc, ping, ping, ploc, ping, ping, ploc…

… gostava que fosse fácil, tão fácil como apenas fechar os olhos… cerrar os olhos e tu te evaporares definitivamente da minha vida… o teu olhar, a tua pele, o teu cheiro, o teu toque, a tua juba negra, a tua cor, o teu sabor, a tua voz, tudo…

… mas assim como fecho os olhos e não durmo, assim também tu não te vais embora… logo, não é assim tão fácil…

… ping, ploc, ping, ping, ploc, ping, ploc…

… esta noite queria abraçar-te e dizer-te adeus, como quem pede para ficar…

… mas os meus braços, como asas feridas e tombadas, apenas conseguem cingir o meu peito porque afinal tu não estás, apesar de estares sempre “presente”…

… ping, ploc, ping, ping, ploc, ping, ploc…

… estou cansado… muito cansado de tudo… gostava de desaparecer também eu… no ar, simplesmente…  e talvez reencarnar em algo menos complexo que um ser humano… algo que fizesse pensar e sentir menos, algo que apenas vivesse devagarinho como estou agora…

… mais um suspiro fundo, mais uma passa no cigarro, mais um golo de whisky…

… e ela continua no seu canto triste…

… ploc, ping, ping, ploc, ping, ploc, ping…

… as horas passaram lentas e longas até o sol se erguer e tentar furar as nuvens cinzentas…

… tirando isso, o nascer do dia, que no fundo é a repetição de tudo quotidianamente, nada mudou… apenas o peito me dói mais, já nem sei se será apenas do excesso de veneno que teimo em ingerir, disfarçado como prazer de fumar ou se será algo mais que se enrola, torce e magoa dentro de mim…

….ping, ploc, ping, ping, ploc, ploc, ping…

… vou em passos lentos até ao quarto de novo…

… o símbolo chinês de felicidade que está gravado na cabeceira da cama, quase que me faz desenhar um sorriso no rosto, pensando  na ironia do seu significado…

… deito o meu corpo exausto no colchão, junto os pedaços de mim e, sonhando acordado, encaixo-me junto a ti…

… tento sincronizar a minha respiração com a melodia da chuva, que ficou mais lenta agora…

…ploc… ping… ping… ploc… ploc… ping…

… inevitavelmente, ela irá parar… assim, também talvez  eu pare de respirar…e assim ficaria em paz…

…ping… ping… ploc… ping… ping… ploc… ploc… ping…

JP ®




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